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Sirvam nossas façanhas…

*Giovanni Luigi Schiavon

Ao redor de um cipreste em Pedras Brancas, Bento Gonçalves, coronel, prepara a lenha. Vai acender um fogo grande além do tempo que para o povo será símbolo e senha. Há 179 anos, aos 25 de setembro, expedindo carta ao Regente Imperial padre Diogo Antônio Feijó, Bento Gonçalves da Silva, gaúcho de Triunfo, maçom e Primeiro Presidente da República Rio-Grandense declarou respeitar o juramento que havia prestado ao Código Sagrado, ao Trono Constitucional e à conservação da integridade do Império. De lá pra cá o gaúcho e sua identidade revelaram-se perenes embora sovados pelo tempo e pela modernização natural do meio.

Algo mais pertinente que apenas analisar a dicotomia ‘separatismo x não separatismo’ se faz presente na conjuntura atual. Pois o estereótipo do gaúcho – tal qual seu homônimo argentino e castelhano – encontra-se além daquele primeiro, guerreiro dos campos, depois da Guerra do Paraguai, da Revolução Farroupilha e da Federalista: o Pampa, conceito de região pastoril de planícies com coxilhas, que ao mesmo tempo metaforiza-se, por nós mesmos, como forma abrangente e definidora, também simboliza, de fato, o próprio gaúcho que, da mesma forma, faz-se representação do Pampa.

Contraditoriamente ao que se é estereotipado Brasil adentro, ou seja, o gaúcho sendo um misto de homem do campo com herói, rude e valente ou ainda como define Euclides da Cunha em ‘Os Sertões’, uma ‘existência-quase-romanesca’, originalmente o gaúcho é o homem do interior rio-grandense, que trabalha a cavalo em estâncias de criação de gado, o mesmo tipo daquele que participou de guerras e revoluções, porém cultivador agora de seu espiritual mais sereno. Ainda, esse gaúcho, assim descrito, passa por uma fase de transição, uma fase de calmaria propensa à reflexão do seu eu interior vinculada à sua própria identidade. Uma autoanálise que o coloca adiante de seu próprio tempo de modo que aprenda e evolua com as lembranças de sua História, lembranças essas que vêm à tona sem ao menos provoca-las, incessante, algo até parecido com Madeleine de Proust ao que faz instigar a ‘mémoire involontaire’.

Não obstante, o sul rio-grandense é detentor de um regalo atávico: o paralelismo cultural e social que, não tão somente imposto pelo seu retrospecto histórico como também pela impressão da estereotipia singular por parte dos demais Estados, a coloca como uma nação marginalizada em face da hegemonia central do país em muitos aspectos da vida nacional, principalmente no âmbito cultural. De certo modo, é um prazer que, por consequência, se transforma na valorização e no apreço à sua terra, fazendo com que, antes de ser um cidadão do mundo, o gaúcho seja um cidadão regional, amante de seu chão e ateste, cada vez mais, o que foi concluído pelo escritor e compositor pelotense Vitor Ramil em sua fantástica e minuciosa obra ‘A Estética do Frio’ (apresentada em Genebra como parte da programação ‘Porto Alegre, um autre Brésil’): Não estamos à margem de um centro, mas no centro de uma outra história..

 

*Giovanni Luigi Schiavon
Acadêmico de Engenharia Civil – UEPG

 

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