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O reverso poético de Ponta Grossa 2014

Rafael Schoenherr*

Difícil imaginar homenagem maior a esta cidade do que a poesia de Adilson Reis dos Santos, o poetinha da Ronda. Sem cerimônia ou qualquer oficialidade, mas em produção ininterrupta, ao fim de cada ano é possível recuperar seus escritos mais recentes para tentar entender melhor o que passa com o lugar em que vivemos. Justamente agora, quando não sabemos mais ao certo o que sentir a respeito. Como diz o sociólogo Richard Sennett, se o âmbito público vai mal, o que dizer de nossa deteriorada intimidade…

Difícil também seria contar a quantidade de livros do poeta. Já encontrei três ou até quatro publicações em um único ano. Livros independentes, às vezes muito curtos, mas que de alguma forma conseguem ser de longa duração para pessoas que circulam pela cidade. Um tipo particular de sobrevivente da urbe, por assim dizer, que ainda acredita existir algo a se descobrir na passada de quem circula.

O livreto mais recente se chama, justamente, ‘Oi! Você que circula na city’. Em oito páginas, possui pérolas como essa: uma senhora comentou / na esquina da bombonierie / que a vida está uma bosta / o mesmo comentário é voz corrente / no calçadão, ecoa nos terminais / e em nítido transfer atinge as periferias / nos nichos, na high society, nas / redes sociais é consenso / entre os voyeurs.

A poesia de Adilson parece marcada por uma escrita nômade, perambulante. Observação surpresa de esquina em esquina, ou sentada em uma escadaria, sem subir nem descer. Olhar periférico a dar uma banda pelo centro. Como nesses versos: a quietude das madrugadas / da vila Coronel Cláudio / sua epiderme / vênus ao alto / epoque-sono / dos teus guerreiros.

Ao expressar os bairros, tal como na bela poesia sobre as Olarias no livro ‘Diário Pop’, o poeta revela aquilo que em geral se silencia numa cidade que se quer centro o tempo todo. Numa percepção aguda, muito além de qualquer nostalgia, os bairros estão cravados no olhar de quem circula (nem sempre dos planejadores e gestores). Nosso flâneur não mora nos melhores condomínios, por assim dizer. Se habita o centro, é numa condição marginal, fugidia, incerta. Algo que não está apenas nos últimos lançamentos do poetinha da Ronda, mas já se insinua nos versos lá no início dos anos de 1990, quando sua poesia regularmente estampava páginas de jornais. E nem era moda falar então de periferia.

A homenagem do poeta a Ponta Grossa é honesta a ponto de não ser ufanista nem sequer otimista, ainda assim justa em alguma medida. Devolve em versos uma dimensão da cidade que só temos perdido cada vez mais a capacidade de reconhecer. Ocupados que estamos em desencontros, falatórios, desentendimentos mútuos da urbanização atropelada e outras divagações menos cotidianas.

Talvez a poesia de Adilson dos Santos esteja a contar uma história da cidade em tempo presente, da sua dimensão caótica e de micro explosões irrefreáveis no espaço urbano, a gerar um olhar surpreso, porém habitante incondicional. Quem sabe nos reste tentar reconstituir em breve esse movimento geral que o poeta agora nos conta em fragmentos – principalmente quando estivermos mais afastados dessa realidade insinuante e igualmente perversa do crescimento pelo crescimento. Existe uma trajetória de afeições pelos resíduos de uma cidade que ainda nos devolve um certo sentido – cruel, espontâneo e encantador – de unidade.

 

*Rafael Schoenherr é professor do curso de Jornalismo da UEPG

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