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Simplificação do processo de fechamento de empresas pode ser prejudicial

Eduardo Roos Elbl

A Secretaria da Micro e Pequena Empresa do Governo Federal lançou, no dia 26 de fevereiro, o programa Bem Mais Simples, que promete desburocratizar a relação entre Estado, cidadão e empresas, com base em cinco ideias principais: eliminação de exigências que a tecnologia tornou obsoleta; unificação do cadastro e identificação do cidadão; acesso aos serviços públicos em um só lugar; arquivamento de informações do cidadão para consultas e a substituição de outros documentos por declarações prestadas pelo cidadão.

Sob o argumento de que a simplicidade está ligada a agilidade para tornar o país competitivo, uma das principais medidas introduzidas pelo programa por meio da Lei Complementar nº 147/2014 envolve a abertura e o fechamento de empresas de forma mais célere.

Se antes o encerramento de um negócio demorava em média 102 dias, com a desburocratização – que legaliza a desnecessidade de apresentação das certidões negativas normalmente exigidas – o processo de baixa será automático e efetivado no mesmo dia da solicitação, por meio do portal https://www.empresasimples.gov.br/. Já a abertura de empresas, a partir de 5 de junho, será feita em até 5 dias.

Contudo, tal qual quando o Governo lançou o Plano Brasil Maior, que instituía desoneração da folha de pagamento para determinados ramos de atividade, esta facilitação no fechamento das empresas compreende, a nosso ver, pontos bastante controvertidos no que diz respeito às vantagens práticas de sua utilização para os contribuintes.

No regramento anterior, para findar um CNPJ, seria preciso quitar todos os débitos contraídos junto ao Fisco, o que deflagrava existência de muitos empreendimentos sem movimentação financeira, mas que ainda necessitavam informar balanço anual à Receita, sob pena de multa.

Na prática, estas dívidas que impediam a almejada baixa eram cobradas pelas fazendas públicas no prazo prescricional de 05 anos, através de Ação de Execução Fiscal, ficando aberto ao contribuinte a possibilidade de exercer o contraditório e a ampla defesa via Embargos à Execução Fiscal.

Normalmente, nos Embargos à Execução Fiscal o contribuinte buscava, entre outras teses, defender a manutenção da responsabilidade limitada de sua empresa, visando afastar o temido redirecionamento das cobranças para a pessoa física dos sócios, realizados com fundamento no art. 135, III, do Código Tributário Nacional.

Em muitos casos, na esfera judicial, se o sócio da empresa pudesse provar que as dívidas não foram contraídas através de atos praticados com excesso de poderes, infração de lei, contrato social ou estatutos, fazia-se valer a personalidade jurídica da empresa e limitava-se o poder expropriatório do fisco.

Ainda assim, o STJ editou súmulas que tornaram quase que automática a petição de redirecionamento da dívida pelo Fisco para a pessoa física dos sócios, o que era fortemente combatido na esfera judicial pela advocacia e pela doutrina.

Um exemplo claro disso é a Súmula 435 do STJ, que prevê que Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.

Por outro lado, o forte combate travado pelos contribuintes contra estas teses presuntivas também deram origem à Sumula 430 do STJ, que diz que O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente.

Todavia, os anos de discussão judicial acerca da impossibilidade de se presumir fatos que ensejassem o redirecionamento das dívidas tributárias para a pessoa física dos sócios estão sendo sabotados justamente pelo tal programa Bem Mais Simples, já que ao mesmo tempo em que chama atenção pela simplicidade no processo de fechamento da empresa, implica também na necessidade de migração dos débitos da empresa para o CPF dos sócios, no momento do fechamento.

A adesão impensada a esta tal medida simplificada proposta pelo Governo pode, salvo melhor juízo, representar uma armadilha para os contribuintes, pois afeta negativamente a livre iniciativa (art. 1º e 170 da CF 1988), ao fragilizar ainda mais a limitação da responsabilidade patrimonial das pessoas jurídicas – já praticamente inexistente na esfera trabalhista – ficando os empresários sujeitos a responder com seu patrimônio de pessoa física por débitos que legalmente deveriam se limitar ao patrimônio integralizado na empresa.

O autor é advogado, especialista em direito tributário.

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