POR PEDRO MIRANDA
MULHER-MARAVILHA (PATTY JENKINS, 2017). É inegável que os filmes de super-herói já constituem um gênero cinematográfico, e estamos acostumados a eles. Enquanto as comédias românticas têm um dos personagens correndo para impedir a chegada do(a) amado(a) ao avião, os filmes de terror também contam com passos apressados, ainda que com propósitos um tanto quanto diversos. Mas o fato é que os clichês são a essência dos próprios filmes de gênero. E Mulher-maravilha, dirigido com sabedoria por Patty Jenkins, reconhece que será categorizado como um deles. Sua protagonista é dotada de habilidades extremas e um quase utópico senso de justiça? Sem dúvida. Há vilões a serem combatidos, sempre em câmera lenta? É claro. E, por acaso, existiria um par romântico? À mais óbvia das perguntas, a mais curta das respostas: sim. Em outras palavras, pode até parecer fácil criar um filme de super-herói, o que é inverídico, considerando algumas bombas, como Mulher-gato (2004), Lanterna Verde (2011) ou Esquadrão Suicida (2016).
Voltando à Mulher-maravilha, sim, é um filme de gênero, mas não apenas cinematográfico, como também de gênero em sua acepção identitária. É, portanto, uma obra que se reconhece como feminista, e que sabe o quão iconoclasta é mostrar em pleno ano de 2017, diga-se de passagem uma menina de 6 anos deslumbrada com o combate físico, ou mesmo uma mulher salvando não apenas um, mas vários homens. Homens, aliás, frágeis e temerosos (ainda que tenham aptidão para o canto e atuação, vale dizer), que nela veem um exemplo não de superação, mas de uma quase palpável utopia. E, assim, os estereótipos cinematográficos são descontruídos paralelamente aos estereótipos de gênero habilidade já bem demonstrada pela diretora, quando revisou outros lugares-comuns em Monster: desejo assassino (2003). A utopia é confrontada com uma realidade cinza, em que mocinhos e bandidos não são facilmente identificáveis, e na qual o amor pode não sobreviver. Nem por isso, porém, a luta da protagonista se esvai, já que, neste contexto, ela se torna ainda mais necessária (e, infelizmente, a exagerada câmera lenta nas cenas de luta parece ser o único clichê que sobrevive sem qualquer contraponto). O interessante é que, para a Mulher-maravilha, esta luta não se resume a porrada, bomba e tiro, mas a salvar a humanidade também com gestos de cuidado e compreensão. Não por coincidência, ainda que tenha lutas impressionantes, este não é um filme que se resume a elas, tal qual Os Vingadores (2012 e 2015) ou mesmo Batman vs. Superman (2016), que já contava com a protagonista deste. E digo isso, porque, talvez, esta seja uma obra que inicie um novo filão cinematográfico: os filmes de super-heroínas, menos previsíveis, sem objetificação do corpo feminino e, afinal, mais cientes de sua importância na formação de novas e verídicas meninas e mulheres-maravilhas. Mal posso esperar pelas sequências de Diana Prince!