em

Informação pode amenizar escassez de água no Brasil

Em tempos em que a atenção se volta para a crise hídrica que o País enfrenta e se exige cada vez mais da população o uso consciente da água, a informação pode ser uma grande aliada de todos os brasileiros como forma de amenizar o problema. A partir desta semana, o Diário dos Campos inicia uma série de reportagens sobre o tema, porém visando mostrar como setores importantes da economia estão fazendo para preservar o bem natural mais importante do planeta. A entrevistada deste domingo é a especialista em Gestão Ambiental, formada pelo Instituto de Educação Tecnológica (IETEC), Marilena Lino de Almeira Lavorato. Presidente do Comitê de Sustentabilidade do Instituto Mais, ela é publicitária, com especialização também em Marketing, Negócios, Sociologia e Política e Gestão Empresarial Estratégica. Organizadora do programa Benchmarking Ambiental Brasileiro, Marilena é co-editora do Livro BenchMais, as 85 melhores práticas em gestão socioambiental do Brasil.

Para a especialista, a população precisa receber mais informações sobre o caminho que a água percorre até chegar às casas e também sobre as políticas públicas aplicadas no Brasil. “É preciso entender como tudo isto se processa e pressionar por mais políticas públicas”, diz em trecho da entrevista. Confira.

DC – O Brasil é um país com água em abundância?

Marilena – Sim, é um dos países mais abundantes em água, mas quando se fala em água para abastecimento nós vamos nos abastecer do que chamamos de águas superficiais, que são os rios que são feitos com córregos e nascentes. Têm outros tipos de água potável, nós temos as subterrâneas e o Brasil tem uma grande reserva e existe tecnologia para fazer a dessalinização, então água potável tem em muitas fontes para ir buscar, só que hoje nós vamos buscar nossa água para consumo humano nos nossos rios e eles estão não propriamente próximo dos grandes centros.

 

DC – A falta de água no Brasil é um problema que começou quando?

Marilena – Regiões áridas sofrem com a seca há muito tempo, que é o caso do Nordeste. Já o Sudeste começou a sentir os efeitos da estiagem nos últimos anos em virtude de alguns fatores. Ao fenômeno climático que castiga a região (falta de chuva) soma-se a concentração da população nas grandes cidades que carecem de estruturas para serem abastecidas, a ocupação irregular das áreas de mananciais, as perdas das nascentes com o avanço da agricultura e pecuária, e a poluição e assoreamento de rios importantes que cortam a cidade, e as perdas da rede de distribuição (altíssimas se comparada com outros países). A chamada crise hídrica (prefiro chamar de esgotamento hídrico) da região Sudeste começou a ser sentido pela população de forma mais intensa nos últimos dois ou três anos, coincidentemente com a diminuição das chuvas.  Mas os problemas (indicadores que apontavam necessidades de investimentos em infraestrutura e políticas públicas mais severas para proteção das nascentes e rios) teve inicio há décadas atrás.

 

DC- A senhora fala em perdas da rede de distribuição o que isto quer dizer exatamente?

Marilena – A água para chegar até a nossa casa vem por meio de uma rede de distribuição. E esta rede tem muitos vazamentos (entre 20% e 30%). Ou seja, antes de chegar até nós, já está sendo desperdiçada. Em Tóquio, a perda é de apenas 3,6%.

 

DC – A única forma de economizar água está na torneira das casas?

Marilena – É preciso economizar sempre, mas o problema não está só no consumo, mas na produção desta água. É preciso preservar as nascentes que formam os córregos, que abastecem os rios, que vão para os reservatórios e que chegam nas nossas casas. As nascentes vão se acabando, vão secando e elas estão nas pequenas propriedades rurais, são os chamados serviços ambientais. A nascente está numa propriedade rural que vai engrossar um córrego, que vai engrossar um rio e que vai nos abastecer. As nascentes vão secando porque interferimos no clima e o clima faz o ciclo da água e estas nascentes precisam ser protegidas, se desmatar a tendência é secar. A informação é muito importante, é preciso entender como tudo isto se processa e pressionar por mais políticas públicas para proteger estas nascentes e ter mais, pois é possível renascer.

 

DC- Quem consome mais água nos dias atuais? A população, indústria ou agricultura? E o quanto se consome em cada categoria?

Marilena – A agricultura consome mais água bruta. A média mundial está em torno de 70% para agricultura/pecuária, 20% para indústria e 10% para população (uso doméstico). No Brasil, o livro Caminho das Águas mostra que em 2006 a agricultura consumia 68%, a população 18% e a indústria 14%, mas alguns especialistas já falam que hoje a agricultura consome 72%. Então quando se fala em água bruta não podemos nos esquecer deste detalhe que só 10% são para fim doméstico.

 

DC- A população toma por base as localidades onde acontecem as chuvas, mas é preciso chover em que ponto para se ter água? Só nas nascentes?

Marilena – Preferencialmente porque estamos em um momento delicado. Mas em uma situação de normalidade, onde quer que caia a chuva terá sua utilidade sendo absorvida pelo solo para formação do lençol freático ou aquíferos subterrâneos ou até mesmos na formação de nascentes ou então, quando escoado para os rios que desaguam no mar e assim contribuindo para o natural ciclo da água.

 

DC- Quantas nascentes existem no Brasil? Este número está crescendo ou diminuindo?

Marilena – Não sei informar o numero de nascentes no Brasil. O sistema Cantareira tem aproximadamente dez mil nascentes.  Mas teve mais. As nascentes surgem e secam conforme os fenômenos climáticos. Em tempos de secas, diminuem.

 

DC- É possível preservar as nascentes? De que forma?

Marilena – Sim. Existem várias iniciativas e programas. O importante é preservar o bioma onde as nascentes estão. Não desmatar é a principal forma. Também podemos recuperar áreas de nascentes com replantio de árvores nativas. Aumentar a permeabilidade do solo nas cidades também ajudará.

 

DC- O Brasil conta com políticas públicas suficientes? Elas avançam?

Marilena – Sim, o Brasil tem políticas públicas para proteção dos recursos naturais. Mas são insuficientes frente as nossas necessidades.  Mas, além das políticas públicas temos que ter maior fiscalização para que estas políticas sejam respeitadas. No meu entender, as políticas públicas avançam muito lentamente e muito aquém da necessidade.

 

DC- Como seria uma política pública na agricultura?

Marilena – Por exemplo: incentivar o uso de tecnologias que usem de forma racional a água na irrigação, e penalizar as tecnologias que desperdiçam. Existe o sistema de irrigação por gotejamento (a água sai por pequenos gotejadores junto aos pés das plantas), muito mais econômico e eficaz do que o sistema de aspersão (onde são lançados jatos de água por todos os lados) que desperdiça muito. Outra política pública necessária seria limitar ao máximo o avanço da agricultura e pecuária sobre áreas ainda com matas nativas, e a sua proximidade com rios e nascentes, etc.

DC- Na cidade, os prédios residenciais e comerciais podem fazer alguma coisa para contornar a falta de água?

Marilena – Os condomínios podem implantar tecnologias para reuso da água (captação de água da chuva, de água de lavadoras) e também aderir a colocação de hidrômetros individuais que costumam educar pelo bolso.

DC – O que a indústria pode fazer diante desta crise?

Marilena – A maioria costuma não desperdiçar este insumo porque ele pesa no custo da produção. Mas, a indústria deve tratar seus efluentes e não despejar água poluída nos rios, córregos e solo. Em São Paulo temos dois grandes rios que cortam a cidade (Tietê e Pinheiros), mas estão poluídos e sem condições de uso. Para servirem de abastecimento demandam tratamento especial e certamente altos investimentos.

DC- O consumidor, como ele deve se comportar frente aos produtos industrializados, tendo em vista o consumo de água?

Marilena – Deve prestar atenção nas práticas adotadas pela empresa em relação aos seus processos produtivos. Existem programas que certificam boas práticas de recursos hídricos. O programa Benchmarking Brasil (tem o reconhecimento da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT) é um deles. Empresas com certificações (que não sejam autocertificações) são mais confiáveis. E, o consumidor tem o poder de decidir qual empresa irá privilegiar na hora da compra, as que comprovam serem adotantes de boas práticas ou as que não comprovam.

DC- O Brasil é o país em situação mais complicada em relação a água? Temos como seguir o exemplo de algum país?

Marilena – Neste momento a região Sudeste (que tem maior concentração de pessoas) sofre com a escassez de água devido ao período prolongado de seca. Junto com a escassez de água vem o desafio da energia já que nossa matriz energética (em sua maioria) vem da água também.  Israel tem grande experiência com uso racional da água na agricultura.

 

Marilena: “além das políticas públicas temos que ter maior fiscalização para que estas sejam respeitadas”

Foto: Divulgação

 

 

Participe do grupo e receba as principais notícias da sua região na palma da sua mão.

Entre no grupo Ao entrar você está ciente e de acordo com os termos de uso e privacidade do WhatsApp.