Para Anita Philipovsky
I
A luz do poste é uma lua imóvel
onde não posso fincar bandeira.
Os buracos das suas ruas são os nódulos do meu fígado imaginário.
As luzes de suas ligações são o petróleo escorrendo pela ferrovia das minhas veias
que caem entre corpos,
elegias esquecidas,
poemas não escritos sobre os cadáveres da minha vida.
Mesmo assim, escrevo sobre nada além de fantasmas,
o segundo passado, já morto.
Me sepulto nas ultimas gramas
do corpo da tarde
gasto no clichê
de biscates, bebidas e besteiras
mesmo assim, nada é mais essencial.
II
No reflexo da poça de seus olhos vazios
você me viu virgem,
mas conheci o desejo
e conheci a vingança.
Comi tuas mulheres.
Perdi amores numa lua falsa na rua XV,
vi o abandono do relógio num ponto de ônibus
nos calos do village hotel,
contei quantas mortes
me embriagando no teu veneno,
parei estático sobre teu seio pendente e vi a sombra de uma mulher:
Anita P. amando nada além de seus muros
Anita P. vamos odiar essa corja juntos
Anita P. cortando as rosas/deixando só espinhos.
Pedras nas janelas, uma invasão:
Me espere Febre na cama
pra dilacerar o caldo da tua feminilidade.
Vamos fugir com os náufragos da noite
pela única saída que conheço.
Buenos Aires
São Paulo
Hong Kong
Ponta Grossa
Nova Iorque
Qual a diferença?
Estive em Nova Deli
numa tarde no escritório
e sua ausência ainda era visível.
Minha estranheza ainda era
o contorno da minha sombra.
Essa solidão
que nos acorrenta
de volta a esses poentes.
III
As zonas estão fechando
As faculdades estão bombando.
Ponta Grossa está morrendo.
Mesmo assim renasce em bits e tinta
mesmo assim não renasce
múmia incólume
na minha inútil orbita
de amargura.
IV
Os fantasmas ainda chamam
do azul dessa janela de subúrbio
onde sento esperando, bebendo
porque sei que vou te ver de novo
regurgitado
no impossível regozijo do universo
capturado em cena sobre cena de memoria
naquela estrela menor
de onde nunca mais voltarei.
V
Anita P., o ocaso pegou fogo
o que sobrou foi esse
punhado de cinzas.
11/08/16
Biografia:
João Paulo Oliveira (1991) é natural de Ponta Grossa, Paraná. Publicou os romances Baratas de Hiroshima (Ed. Giostri, 2015) e Village Hotel Blues (Multifoco, 2016). É romancista, contista e poeta.