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Bingo: o rei das manhãs

Bingo: o rei das manhãs (Daniel Rezende, 2017)


 

Em um programa infantil, o palhaço apresentador chama de jumento uma das crianças da plateia e, pouco antes, Gretchen rebolava no palco, evidenciando seus dotes físicos. Para os mais novos, pode parecer impossível, mas estas cenas retratam a década de 80 da televisão brasileira, por meio do filme Bingo: o rei das manhãs, em cartaz nos cinemas dos shoppings Total e Palladium. Sua história é baseada em fatos, mais precisamente na vida de Arlindo Barreto, intérprete do palhaço Bozo. E, como anunciado no pôster do filme, 30% de sua performance era devido ao whisky, que, combinado com a cocaína, levou o artista à decadência, tanto na vida profissional como na pessoal.

A partir de tais fatos, o diretor Daniel Rezende e o ator Vladimir Brichta entregam uma obra sincera sobre os vícios não somente das drogas, mas também da fama. Algumas concessões, é verdade, foram feitas, como a mudança dos nomes da apresentadora Xuxa para Lulu, e das redes de televisão Globo e SBT para, respectivamente, Mundial e TVP. Mas tais alterações são fáceis de perceber, ainda mais para quem viveu aquela época.

O trabalho de recriação, aliás, é primoroso, contando com elementos típicos de então, como as músicas de Titãs e Metrô, pessoas fumando em lugares fechados, as cores chapadas, o tracking da TV e as já citadas cenas, hoje em dia, inimagináveis para um espetáculo destinado a crianças. Aliás, são com estes elementos que o filme cresce, tornando-se um documento histórico, ao mesmo tempo nostálgico e surreal, diante de um palhaço viciado comandando os já extintos programas infantis de auditório. Por outro lado, quando descreve o declínio familiar do protagonista e suas consequências, o filme deixa de lado seu diferencial das demais obras que abordam vícios, mas, felizmente, estes desvios são poucos e não tornam a experiência negativa, ainda que haja um ou outro clichê (a recorrência das sombras de raposa, por exemplo).

Mas, ao final, Rezende mostra segurança na sua estreia como diretor, comprovando que a experiência de 16 anos como editor de filmes, inclusive de Cidade de Deus e Tropa de Elite, lhe trouxe uma ótima noção global da realização cinematográfica, tendo sido auxiliado, aqui, por um ótimo elenco. Além de Brichta, Leandra Leal e Augusto Madeira estão irretocáveis nos papéis de diretora do programa e de câmera-man, entregando um filme coeso, sobre um homem que simboliza, até o fim, uma das falas de sua mãe: Nós somos mariposas, meu filho, e precisamos de holofote. Peço, apenas, que o cinema nacional também ganhe mais holofotes.

 

Por Pedro Miranda

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