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Decisão do Superior Tribunal de Justiça coloca em risco tratamentos especializados

 “Se essa decisão for aplicada para todos os casos, eu acho que ela acabaria com a vida de todas as famílias dos autistas que hoje podem receber um tratamento digno do plano de saúde”. Foi dessa forma que a terapeuta Josiane Mariano, mãe do Heitor, de 9 anos portador do Transtorno do Espectro Autista (TEA), definiu a decisão unânime da 4ª turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) desta terça-feira (10/12). A decisão proferida entende que os planos de saúde não são obrigados a custear qualquer tratamento que não esteja previsto no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). O documento, atualizado a cada dois anos, define quais procedimentos deverão ser cobertos pelas operadoras obrigatoriamente, o que muitas vezes envolve medicamentos para doenças raras, paralisia cerebral ou câncer, por exemplo.

Para a advogada especialista em direito médico e da saúde, Debora Lubke, a decisão dos ministros interfere diretamente no tratamento de saúde dos usuários de plano de saúde:

“Até o momento, o STJ mantinha o entendimento de que o Rol da ANS era meramente exemplificativo e que se o contrato de plano de saúde não exclui a cobertura de determinada doença, não poderia restringir o tipo de tratamento. Entretanto, houve agora essa mudança no entendimento da 4ª Turma. A decisão proferida não é definitiva e não possui caráter vinculativo, mas se for mantida pela 3ª Turma do STJ, pode impactar em muitos casos em trâmite no judiciário”.

A discussão foi motivada depois que a segurada de um plano de saúde de Londrina/PR teve o pedido de cobertura de uma cirurgia na coluna que não estava prevista no rol de cobertura básica negada. O relator, ministro Luis Felipe Salomão, fundamentou o voto alegando que o rol da ANS não é meramente exemplificativo, tratando-se de um mínimo obrigatório para as operadoras de planos de saúde. Dessa forma, o que estaria disponível para a segurada seriam os procedimentos previstos no Rol da ANS. Outros quatro ministros tiveram o mesmo entendimento: Raul Araújo, Isabel Galotti, Antônio Carlos Ferreira e Marco Buzzi.

Para os advogados de defesa da segurada, Su-Ellen de Oliveira Vianna e Adriano Moro Bittencourt, a decisão nada mais é do que o resultado da ação dos planos de saúde, que com seu poderio econômico formam um lobby, e em busca de vantagens financeiras, objetivando o menor custo nos tratamentos fornecidos aos seus beneficiários, lesando-os:

“Na realidade quase todos os planos de saúde são empresas que objetivam o lucro, e não o tratamento de saúde, o bem estar do ser humano. São contratados por uma variedade de pessoas, de diversas classes sociais e etnias, que objetivam, toda a assistência no tratamento de suas mazelas, independentemente de valores. A decisão, a nosso ver, é totalmente descabida e beira a ilegalidade, pois afronta a Constituição Federal ao autorizar que os planos de saúde cubram apenas o mínimo previsto na resolução da ANS. A nós, os procuradores da autora da ação, julgada pela 4° turma do STJ, caberá recarregar as energias, e partir para mais uma batalha, objetivando o fim desta guerra”.

A decisão da 4ª Turma do STJ, se confirmada pela 3ª Turma, pode atingir diretamente centenas de autistas em todo o país que, como o Heitor, tiveram que recorrer à Justiça para garantir a cobertura de tratamentos multidisciplinares pelos planos de saúde. A família da criança entrou com ação na Justiça assim que recebeu o diagnóstico de autismo e teve todo o tratamento de saúde negado pelo seu plano de saúde, quando Heitor tinha apenas 2 anos e 2 meses. Atualmente, o tratamento do menino é custeado pelo plano de saúde.

“Só assim que garanto aquilo que considero por direito, porque todo mundo tem direito à saúde. Para que meu filho tenha uma melhor qualidade de vida, ele depende dos tratamentos que vem recebendo e que agora corre o risco de perder”, explica Josiane.

O Transtorno do Espectro Autista envolve diversas patologias que prejudicam o desenvolvimento neurológico do paciente, além de possuir características que podem causar prejuízos para o desenvolvimento do portador: dificuldade de comunicação, de socialização e comportamentos repetitivos. A Lei 9656/98, que dispõe sobre planos e seguros de saúde, determina a cobertura obrigatória para doenças listadas na Classificação Estatística Internacional 10 (CID-10), que trata sobre enfermidades padronizadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

Os direitos dos portadores do TEA estão garantidos ainda na Lei 12.764/12, que prevê a obrigatoriedade do fornecimento de atendimento multiprofissional para os pacientes que forem diagnosticados com autismo, além de garantias à saúde específicas como “atenção às necessidades de saúde da pessoa com transtorno do espectro autista, objetivando o diagnóstico precoce, o atendimento multiprofissional e o acesso a medicamentos e nutrientes”. A Justiça garante, ainda, o direito ao tratamento por meio da psicologia comportamental humana, conhecido como Análise do Comportamento Aplicada (ABA). O tratamento é comprovado, reconhecido cientificamente e aplicado por diversos países no tratamento do autismo.

Segundo a ADUSEPS (Associação de Defesa dos Usuários de Seguros, Planos e Sistemas de Saúde), cabe ao médico responsável pelo caso, determinar o tratamento apropriado para alcançar a cura ou amenizar os efeitos da enfermidade do paciente, desta forma, o plano de saúde não está habilitado, tampouco autorizado, a restringir as alternativas cabíveis para o restabelecimento da saúde do segurado, sob pena de colocar em risco a vida do enfermo.

Depois de publicada no Diário Oficial, o caso pode voltar a ser discutido na 2ª seção da Corte, para análise da 3ª Turma do STJ, da qual fazem parte os ministros: Nancy Andrighi, Paulo de Tarso Sanseverino, Vilas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro.

Para Josiane, os próximos meses serão de indecisão. Ela conta que a angústia da espera já tomou conta de toda a família:

“Realizar a terapia adequada no tratamento para meu filho foi muito importante para o desenvolvimento dele, uma vez que através disso ele pode agregar muitas habilidades que para muitos é considerada simples, como se vestir, calçar os sapatos, escovar os dentes, por exemplo, mas para uma criança autista que não realizava pequenas ações, isso é uma grande conquista. Vejo de perto a evolução dele e só de pensar em perder o direito ao tratamento de saúde eu entro em desespero! Não consigo imaginar meu filho perder toda essa evolução no tratamento e regredir. Toda essa melhora em seu comportamento só foi possível através do custeio pelo plano de saúde, pois minha família não possui condições financeiras de custear o tratamento. Não estão tirando apenas um tratamento, estão tirando a qualidade de vida do meu filho e de toda nossa família, onde todos nós sofreremos e seremos impactos juntos, todos nós perderemos nossa saúde! Seria um custo muito maior para o plano de saúde, que terá que cuidar de todos nós também”, finaliza a mãe.

Rol de procedimentos da ANS

O rol de Procedimentos e Eventos em Saúde estabelecido pela ANS foi definido pela Resolução de Conselho de Saúde Suplementar e garante o direito assistencial dos beneficiários dos planos de saúde, válida para planos de saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 1999, contemplando os procedimentos considerados indispensáveis ao diagnóstico, tratamento e acompanhamento de doenças e eventos em saúde, em cumprimento ao disposto na Lei nº 9656/98. A última atualização do rol de procedimentos foi em 2018, quando foi incorporado, pela primeira vez, um medicamento para o tratamento da esclerose múltipla. A atualização acontece a cada dois anos.

Para saber quais procedimentos fazem parte do rol da ANS acesse: www.ans.gov.br

O rol da a ANS é meramente exemplificativo. Cobertura mínima.

Sobre o rol de procedimentos da ANS, a ADUSEPS (Associação de Defesa dos Usuários de Seguros, Planos e Sistemas de Saúde), relata que o mesmo não se refere a uma tabela vinculativa, mas de cobertura mínima obrigatória pelos planos de saúde:

“É o mínimo que uma empresa de plano e seguro saúde pode fazer. O rol da ANS é desserviço ao consumidor. A ANS procurou uma forma de agradar a gregos e troianos e criou o rol, que para o consumidor desavisado parece oferecer garantias e para as empresas de planos de saúde, aparentemente, diminui sua obrigação de dar a assistência obrigatória prevista no artigo 10 e 12 da Lei 9656/98. Não existe preocupação alguma nem nenhuma atenção ao que realmente o beneficiário precisa, agem com crueldade ao “escolher” qual o evento que será coberto pelo seguro saúde”.

E reforça ainda que as controvérsias sobre a ausência de cobertura devido à limitação do rol da ANS devem ser consideradas como uma prática abusiva de exclusão cometida por um ente público.

“A não cobertura de procedimentos exclui do consumidor a tecnologia na evolução da medicina, ou seja, o rol fere o direito do consumidor que adquiriu um seguro saúde referência e regulado, sendo a forma legal que a ANS encontrou para excluir tratamentos urgentes e modernos”.

Diante de todo o exposto, para que a grande maioria dos cidadãos brasileiros, os quais são usuários de planos de saúde, tenha acesso à medicina moderna e a novas tecnologias registradas na ANVISA, a ADUSEPS (Associação de Defesa dos Usuários de Seguros, Planos e Sistemas de Saúde), pontua:

a) Que o julgamento em tela reconheça o rol da ANS como meramente exemplificativo de tratamentos, materiais, procedimentos e medicamentos, os quais deverão ter registro na ANVISA, a fim de poder ser liberado para os usuários dos planos, seguros e sistemas de saúde;

b) Que, em nome da liberdade no exercício da profissão do médico, o médico assistente, que realiza a consulta clínica, que tem acesso ao paciente e às suas idiossincrasias orgânicas, conhecendo a predisposição particular do organismo, que faz que um indivíduo reaja de maneira pessoal à influência de agentes exteriores, seja o parâmetro a ser seguido pelo julgador em caso de litígio, uma vez que goza da confiança do seu paciente, constituindo a autoridade indicada e imparcial para prescrever o tratamento;

c) Consequentemente, que os núcleos de apoio técnico – NATS sejam desconsiderados nas decisões judicias, até pelo modelo como opera atualmente, formados por técnicos já comprometidos com planos, seguros ou sistema de saúde, como ficou provado neste documento;

d) Que os tratamentos modernos sejam disponibilizados aos consumidores de saúde, como já foi dito, como único meio de resguardar suas vidas, tendo como requisitos a prescrição do médico assistente e o Registro na ANVISA;

e) Que seja reconhecido que não há risco ao equilíbrio econômico financeiro da operadora de saúde em casos de cobertura de procedimentos que estejam fora do rol da ANS;

f) Que seja entendido que o risco à vida e à saúde do jurisdicionado ocorrerá caso este não tenha acesso ao avanço da medicina;

g) Que resguarde os Princípios da Igualdade e da Isonomia Processual, reconhecendo que os planos de saúde podem dispor de profissionais qualificados, mas não para o caso concreto, pois têm o dever deontológico já comprometido com o plano de saúde, seus empregadores, não podendo vestir o manto da imparcialidade – haverá conflito de interesses, pesando sobre o profissional o fardo de atender ao seu empregador.

h) Que seja recebido o argumento de que a ANS constitui-se em autarquia especial da administração indireta, passível de decisões políticas, e que não haverá segurança jurídica se apenas o seu Rol de Procedimentos seja tomado como medida para cobertura de tratamentos, até porque o mesmo corresponde a coberturas mínimas, atualizando-se a cada dois anos, ficando defasado em relação ao avanço médico tecnológico.

 

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