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6º ano

Eu tenho um sonho recorrente: vejo-me invariavelmente dentro de uma sala de aula, seja na escola, colégio ou universidade. São lugares onde estudei e os colegas são os mesmos, o que muda é que nos sonhos, como estudante, eu tenho também a experiência de ter sido professor. É curioso. Sentado na carteira, fico imaginado qual será a resposta que eu daria às minhas ações. Não importa se tenho mais de 20 anos ou se ainda estou aprendendo a escrever. Vai entender. Professor Freud deve explicar.

O certo é que quando despertei hoje de um sonho desses, passei a manhã toda lembrando das minhas aulas no ensino fundamental. Segundo o historiador e professor Leandro Karnal, quem deu aula para o 6º ano é capaz de fazer qualquer coisa no planeta Terra. Dei aula durante quatro anos para os recém-chegados ao ensino fundamental II, não me sinto onipotente como descreve “profe” Karnal, mas foi a experiência, de longe, mais rica que tive como docente e gente.

Antes de tudo, é preciso lembrar que, normalmente, um aluno ou aluna que entra no 6º ano já tem – ou terá nos meses seguintes – 11 anos de vida. Nem mais tão criança e ainda longe de ser adolescente.

Eles começam o ano letivo carinhosos. Não é raro trazerem pequenos presentes. Mal você adentra a sala e eles te cercam. Alguns só para dizer oi. Outros para te contar que a mãe deixou-os dormir na tia Jaqueline no sábado e que ficaram acordados até as 2 da manhã. Nessas horas, o modo Xuxa é inevitável. Sentem lá, Cláudios e Cláudias. Essa empolgação dura menos de um semestre. Logo vão ignorar sumariamente a sua entrada em sala de aula até a chamada.

Nome após nome, intercalados por pedidos inúteis de silêncio. E ai de você se chamar a atenção do aluno errado. Nessa idade, a noção de justiça é implacável. Eles são capazes de qualquer coisa para provar que não estavam conversando. Angariam testemunhas e provas e as apresentam ao fim da aula em busca da redentora inocência.

São competitivos. O famoso “terminei” é praticamente um ponto final oral de qualquer atividade. E não adianta pedir para que os outros não façam o mesmo. Ao menos os cinco primeiros “colocados” farão questão de serem reconhecidos. E enquanto o resto da turma continua, os rapidinhos abraçam o ócio e é aí que mora o perigo. Mente vazia, oficina das dúvidas. Quantos anos você tem, professor? Por que não é casado? A sua barba comprida é alguma promessa? O meu tio tem um carro igual ao seu, é gastador né?

Para o 6 º ano eu dei aulas de inglês e produção de texto. Trabalhar com eles uma língua estrangeira tem lá suas curiosidades, mas às vezes ler as redações dos alunos nessa idade é dar razão as mais piegas das mensagens de grupo de família no WhatsApp. Entre relatos de férias e aventuras de heróis tendo eles mesmos como protagonistas, alguns textos realmente ficam registrados na nossa memória para sempre. Como a declaração de amor e fidelidade que um aluno escreveu para a sua progenitora. Depois de um sem número de elogios, já no final do texto, ele confessou de coração aberto que quando nasceu e olhou pela primeira vez para aquela mulher ali no hospital, mesmo sem a conhecer direito, não teve dúvida, percebeu no mesmo instante que ela seria sua mãe para o resto da sua vida.

 

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