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A desinformação venceu a razão

Murillo José Digiácomo

A aprovação da tramitação da Proposta de Emenda Constitucional sobre a redução da maioridade penal pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados já era esperada, em especial diante do verdadeiro clima de comoção criado em torno do tema por alguns veículos de comunicação que insistem em desinformar a população acerca da verdade por trás da responsabilização de adolescentes envolvidos com a prática de infrações penais.

Parte-se de premissas absolutamente equivocadas (a começar pela suposta falta de meios idôneos já previstos em lei para coibir tais condutas e dar a seus autores uma resposta adequada e proporcional à sua gravidade), usa-se de argumentos falaciosos (como a questão do discernimento, superada desde o Código Penal do Império) e, por vezes, mentirosos, para se chegar à conclusão de que a solução mágica para o problema da violência no Brasil seria a redução da maioridade penal.

Nenhum dos argumentos em favor da redução da maioridade penal, assim como a promessa que esta seria a panaceia para todos os males que acometem a sociedade brasileira, resiste a uma análise crítica acerca de sua razoabilidade.

Culpar a lei vigente (notadamente o Estatuto da Criança e do Adolescente) pelo verdadeiro caos na segurança pública em que o país se encontra chega a ser pueril, e somente quem não conhece quer o Sistema Socioeducativo, quer o Sistema Penal brasileiro pode ter a ilusão de que encaminhar adolescentes para este último terá algum efeito positivo sobre os índices de violência, especialmente a médio e longo prazos.

Muito pelo contrário. O ingresso precoce (e se pretende cada vez mais precoce) de adolescentes no Sistema Penal (que se encontra comprovadamente falido e em boa parte dominado por organizações criminosas), com índices de reincidência que beiram (e em alguns casos superam) os 70%, seguramente apenas irá agravá-los, isto se houver vagas suficientes para recebê-los, considerando que, segundo dados de 2012, havia um déficit de 237 mil vagas no Sistema Prisional, alem de 437 mil mandados de prisão expedidos e não cumpridos (isso somente em relação a adultos penalmente imputáveis)[1].

A redução da maioridade penal, se aprovada, fecharia essa última janela de oportunidade para reversão da espiral de violência e intolerância na qual o Brasil se encontra (e que a Lei Penal comprovadamente não é – e nunca será – capaz de reverter), com gravíssimas consequências para as gerações futuras.

Não é, enfim, com a pretendida alteração de uma das cláusulas pétreas da Constituição Federal (o que, por sinal, é juridicamente inadmissível) que o problema da violência no Brasil será resolvido, mas sim, justamente, pelo efetivo e integral cumprimento do que já está posto no ordenamento jurídico brasileiro, com a implementação de políticas públicas que, de fato, priorizem a criança e o adolescente nas ações do Poder Público, num viés eminentemente preventivo que é justamente a antítese do que se apregoa.

Esse é, sem dúvida, um caminho mais longo e difícil, mas também é o único capaz de dar as respostas sérias e idôneas que a sociedade brasileira precisa e tem o direito de receber por parte do Poder Público.

Ainda há esperança de que, se a matéria for analisada e tratada como deve ser, de forma serena, refletida e responsável para com a sociedade brasileira por parte do Congresso Nacional, essa e as demais propostas de redução da maioridade penal sejam rejeitadas. E que o movimento seguinte seja voltado à cobrança do efetivo e integral cumprimento da lei e da Constituição Federal, a começar pela recém editada Lei do Sinase, que institui um novo modelo para o atendimento de adolescentes autores de infração penal em todo o Brasil e que ainda se encontra em fase incipiente de implementação.

A sociedade brasileira (em alguns casos, mesmo sem se dar conta) perdeu uma importante batalha, mas ainda há tempo de vencer a guerra contra a desinformação e a iniquidade.

Quem viver, verá.

 

A redução da maioridade penal, se aprovada, fecharia essa última janela de oportunidade para reversão da espiral de violência

 

O autor é procurador de Justiça, coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça da Criança e do Adolescente do Ministério Público do Paraná

 

 

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