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A Reforma Tributária pode alavancar a economia e fazer o Brasil crescer? (Parte I)

Com o advento do coronavírus que assola o planeta, temas relevantes acabam perdendo a importância e prioridade no mar de notícias que embaralha fatos e fakes. No entanto, vamos prosseguir com uma programação de entrevistas especiais, onde pretendemos abordar temas estratégicos e vitais para o Brasil. Já realizamos algumas matérias, onde foram abordados: “Cenários e perspectivas econômicas”; “Polarização na política afeta economia”; “Recuperação da economia e confiança no governo”. Dessa vez vamos abordar: "A Reforma Tributária pode alavancar a economia e fazer o Brasil crescer?" Para responder esta e outras questões, convidamos alguns especialistas:

 

  • Maurílio Leopoldo Schmitt- Sócio da Atec-Assessoria Econômica desde 1972. Economista Chefe do Departamento Econômico da FIEP – Federação das Indústrias do Estado do Paraná no período de 1977 a 2019.
  • Augusto Flores- Vice-Presidente Tax-South America-Grupo Volvo
  • Carlos Magno Bittencourt- Economista-Presidente do Conselho Regional de Economia do Paraná e
  • Ricardo Miara Schuarts- Sócio Gestor Tributário do escritório Küster Machado Advogados.

Anualmente o Fórum Econômico Mundial (FEM) divulga informações sobre as economias de vários países e a carga tributária de cada um deles. A quantia paga em impostos e contribuições varia muito entre os países e depende deuma série de fatores. Dada a extensão e abrangência da carga tributária brasileira em todas as esferas, empresários, trabalhadores e a sociedade como um todo anseiam por um modelo de tributação mais justo e equitativo. O fisco brasileiro é um dos que mais investe em tecnologia da informação e em cruzamento de dados para arrecadação. A máquina pública brasileira de arrecadação, além do sistema bancário, são um dos mais eficientes do planeta. Bom, por um lado, porque mostra a eficiência e competência na arrecadação do dinheiro público, mas não devolve a contrapartida mais justa à sociedade, de forma a incentivar a movimentação da economia, dos negócios e geração de empregos.  Vamos iniciar, de maneira intercalada, com o depoimento de Maurílio Leopoldo Schmitt- Diretor sócio da Atec-Assessoria Econômica e Ex-Chefe do Departamento Econômico da FIEP – Federação das Indústrias do Estado do Paraná:

 

O que poderia viabilizar mais negócios no Brasil?

Na minha lida por mais de 25 anos na FIEP, tive o privilégio de atender a empresário sueco que estava a prospectar, no mercado brasileiro, oportunidade de instalar planta industrial dedicada à produção de peças e componentes para o setor automotivo.  Ao depois de oferecer-lhe amplo panorama do sistema de tributação pátrio (no interregno, ele anotava pacientemente as nuances da complexa trama de incidências, em especial daquelas que percutiriam sobre o seu negócio), com toda a gentileza e cortesia imagináveis, pediu licença para sair da sala com o intuito de baforar um charuto. No retorno, fechou seu caderno de anotações e, muito afável, agradeceu as informações, despediu-se e considerou a necessidade de ir em busca de outro ambiente. (No caso, já havia programado também ida à Argentina para verificar sobre a pertinência de lá investir.) Em uma palavra: disse-me que seria impossível trabalhar em um país que faz percutir cinco impostos sobre faturamento de mercadorias e serviços, submetidos a controles, legislações e fiscalizações de três órbitas de poder político (Pis, Cofins e Ipi – União; Icms – Estados; e Iss – Municípios).

 

O Brasil poderia ser mais “inteligível”, do ponto de vista tributário, para atrair capital estrangeiro?

A expressão perfeita e acabada do grau de intelecção do intricado regime de tributos já se encontra plenamente delineada no item antecedente. E mais: há de se ter em consideração que o Brasil havia erigido, com a Emenda Constitucional 18, de 1965, uma razoável estrutura de tributação, gestada por Comissão Especial integrada por luminares da ciência jurídica e econômica (Rubens Gomes de Sousa, Gilberto de Ulhôa Canto, Gerson Augusto da Silva, Mario Henrique Simonsen, dentre outros). O novo perfil tributário então emergido fora impregnado de fundamentos econômicos de sorte a conferir-lhe funcionalidade no processo de alocação e de combinação dos recursos produtivos e de geração das riquezas nacionais. Nem é preciso assinalar que, bem ao estilo atávico brasileiro, o novel figurino de tributação foi progressivamente conspurcado e vilipendiado em seus pilares básicos  por via da restauração enviesada da cumulatividade (principalmente na atividade de exportação de mercadorias);da não aplicação do princípio da seletividade de alíquotas de incidência (mais gravosa para produtos supérfluos e benigna para bens essenciais de consumo); massiva utilização do sistema de monofasia e de substituição tributária para pagamento antecipado de tributos; oneração tributária  dos bens de capital geratrizes de novas mercadorias; restrições a créditos de impostos e contribuições incidentes sobre bens de uso e consumo; etc.).  Veio a Constituição Federal de 1988, redesenhando e tentando recuperar a feição original da EC 18-1965; sobrevieram o plano Real, a Lei de Responsabilidade Fiscal, a reprogramação da quitação das dívidas de Estados e Municípios com a União; e aqui estamos, ainda, às voltas com recorrentes déficits na execução financeira dos orçamentos públicos, tentando construir reformas estruturais para colocar a Nação na rota da prosperidade sustentável (a administrativa e a  tributária em voga nos dias que correm, conquanto se saiba que as já realizadas trabalhista e  previdenciária requererão ajustes mais à frente). Enquanto as reformas não acontecem ou seus efeitos ainda não se pronunciem, vicejam discussões doutrinárias e jurisprudenciais sobre temas relativos à incidência de tributos que já deveriam estar sedimentados conceitualmente com vistas a oferecer horizontes de certeza aos que organizam e investem na produção e na distribuição de bens e serviços. Todavia, a sanha arrecadatória (tributos usados tão só no interesse de fornir de recursos os erários) para tentar por em equilíbrio as finanças públicas, recorrentemente deficitárias na execução de seus orçamentos, fazem reproduzir, em pleno século XXI, a “arte” de tributação do século XVII da dinastia francesa dos reis Luíses, cujo sinal característico era o de “arrancar o máximo de penas dos gansos com o mínimo de grasnidos” (lição do Ministro das Finanças, Jean-Baptiste Colbert). Não à toa, mais de 70% das receitas tributárias brasileiras, no conjunto do que arrecadado pelos erários da União, Estados e Municípios, provêm de recolhimentos realizados pelas pessoas jurídicas; por óbvio, entidades abstratas e não benemerentes que ainda não aprenderam a grasnir, pois incorporam os tributos aos preços dos bens e serviços que ofertam aos consumidores e usuários. Quando a dinâmica da competição nos mercados torna inviável transferi-los aos preços, a alternativa para preservar a higidez financeira das empresas se manifesta na diminuição da quantidade dos bens por unidade física vendida.

Como lidar com os entendimentos diversos entre contribuintes, fiscais de tributos, conselheiros do CARF e juízes, entre seus próprios pares?

Enquanto a tributação continuar a ser tratada como “arte” no Brasil e não como “ciência” [Observância aos princípios universais de um sistema tributário eficaz para o desenvolvimento social e econômico, arrolados no Código Paranaense de Defesa do Contribuinte (Lei Complementar 107, de 2005), as decisões dos tribunais administrativos em contenciosos de natureza tributária persistirão timbradas com votos de bancada dos representantes públicos x privados e, neste contexto, a maioria delas desagua na necessidade de infindáveis e angustiantes recursos ao poder judiciário, com todos os custos e prazos a eles inerentes. Mor das vezes, os processos judiciais apenas têm desfecho com cunho científico nos Tribunais Superiores. No caminho, muitas empresas sucumbem diante da insegurança jurídica que se lhes antepõe até que ocorra solução definitiva e objetiva dos litígios instaurados.

O preço do combustível expõe uma disputa tributária entre os Estados e Governo Federal?

Como o combustível é uma blue chip (jargão das Bolsas de Valores) para a obtenção de receitas tributárias (ao lado de energia elétrica, cigarros, bebidas, automóveis; somadas representam mais de 80% do valor do ICMS arrecadado pelos Estados), é fácil perceber se tratar de uma fonte não desprezível, inda mais se considerando o encilhamento de tributos de competência da União e dos Estados, conforme já enunciado no primeiro quesito. Adicione-se aqui a circunstância de as contribuições sociais (Pis e Cofins) representarem ingressos financeiros no Tesouro da União não partilháveis com Estados e Municípios (o Icms o é com os Municípios); nada mais a acrescentar para se saber sobre a raiz da disputa.

 

O que esperar da reforma tributária?

Para além de eleger um único imposto sobre bens e serviços (aglutinando Ipi, Icms, Iss e Pis e Cofins – algo complexo em se considerando a deletéria e exorbitante soma das suas respectivas alíquotas de percussão), há inarredável necessidade de revesti-lo de amplo princípio de não cumulatividade, de maneira que as atuais discussões entre créditos físicos (materiais) e financeiros se desvaneçam para fazer prevalecido o conceito de créditos financeiros (tudo que se pagou nas operações antecedentes dá crédito para ser compensado com os débitos das subsequentes). É inconcebível que, depois de mais de 50 anos de prática do ICMS, ainda se esteja perdendo tempo e energia com debates estéreis sobre o direito de crédito nas aquisições de bens de uso e consumo (A recente Lei Complementar n. 171, de 2019, postergou para 2033 a possibilidade de as empresas utilizarem créditos de Icms dos bens com tal configuração.) Há exemplos exóticos na atividade industrial: uma peça imprescindível para o funcionamento de uma máquina utilizada no processo produtivo não dá direito de crédito de ICMS; todavia, sem essa peça a máquina não funciona e não produz mercadorias que, ao seu turno, receberiam a percussão de um débito de Icms.

Noutra seara, valores significativos de incidência de tributos ainda remanescem nos negócios realizados com os mercados de outros países, situação na qual vige o princípio do destino; vale dizer, o país importador é que, sob postulado econômico universal, tem competência para cobrar dos seus cidadãos o tributo sobre as mercadorias que consomem em seu território. Este excedente de incidência tributária na cadeia produtiva do mercado doméstico sobre bens exportáveis retira a capacidade competitiva dos bens aqui produzidos vis-à-vis com os obtidos em outras nações que disputam a preferência dos consumidores no mesmo espaço geográfico. A considerar, também e por necessário, os exorbitantes valores de créditos acumulados de Icms nos ativos das empresas exportadoras e que sequer aparecem contabilizados no passivo das Unidades da Federação. Por derradeiro, há que se proscrever a modalidade de cobrança na fonte (substituição tributária) para tributos com incidência moldada sobre o valor adicionado na produção e na distribuição. Nos últimos quinze anos, proliferaram as exigências de recolhimento antecipado do Pis, da Cofins, em regime monofásico, e do ICMS – Substituição Tributária, que criaram profundos desequilíbrios concorrenciais de mercado – tanto para industrializar quanto para comercializar -, a par de expandir as necessidades de capital de giro das empresas com seus evidentes e perversos custos financeiros para carregamento de estoques de mercadorias tributariamente oneradas na indústria ou distribuição atacadista.

 

*HAMILTON FONSECA ([email protected])

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