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Achados e perdidos

 

Divulgação

Prédio que abriga o Centro Europeu, exemplo de conservação

 

O que achei? O que perdi? O que achei que perdi? Guarda-chuva no ônibus, livros e cadernos num balcão qualquer, chave na calçada, óculos na escola, coração na madrugada. O cultural e o social que deixam marcas nos amores em revoada. A neve que nunca mais caiu, ficou na foto amassada. No álbum do colecionador a figurinha que nunca encontrara. Moeda antiga, selo, na memória que nunca foi cunhada.

Por que guardar, para que manter, se o tempo voraz insiste em obsoletar? O que envelhece? A lembrança que amarelou ou o papel da foto que deteriora a face? Se preservo, salvo a mim mesmo em fragmento que não perece.

Uma senhora colecionava as folhinhas destacadas do calendário diário. Redundância literária e matemática, os dias não vêm em duplicata. Quando morreu, gavetas cheias com os dias acrisolados, ao mundo revelara. Aquele outono antigo que nunca mais volta, nos monumentos e nas construções das praças, memória que revolta e revisita, quando a lembrança revigora.

No metrô de São Paulo, o maior centro urbano do país, uma infinidade dos mais impessoais e pessoais objetos largados, abandonados, desesperados e incognitamente esquecidos. Procurados? Quem procura encontra de volta? Quando não encontra, pensa em finalmente abandonar? Quem perde entende o que perdeu? Quando encontra, a perda arrefeceu? Em qualquer coração habitam achados e perdidos.

O patrimônio cultural encontra-se perdido, esquecido, em achados e perdidos desmentido? Uma porção da mente em cérebro sulcado quer reforçar, reincidir em hábitos, valorizar a identidade que se apoia no objeto. Da sombrinha colorida ao ingresso e seu carimbo. Pedaços de valor pessoal colados, respaldados no coletivo rememorado.

Um cachorro filhote apareceu perdido. Machucado na cabeça, corpo doente, em febre ardido. Quem bate num filhote é capaz de preservar o coletivo? Um laço comum, nó na garganta, nas ruas centrais cachorros e construções abandonadas em paulada na cabeça. A fronte resiste, quer persistir, quer sobreviver e viver em união com a paisagem, com a miragem no oásis urbano em paz. O carro luxuoso parou na rua e largou filhotes recém-paridos na esquina sem alaridos. Alguém encontrou, instinto de vida que se preservou. No terminal urbano a denúncia avisa, gatos maltratados e largados à revelia.

Lá nos achados e perdidos, toda a sorte de coisas esquecidas, largados nas calçadas animais exauridos. Monumentos pichados e depletados revelam, nada se preserva quando a alma é fugidia.

 

Balcão de informações

– Onde foi parar a casa antiga que aqui havia?

O moço sonolento responde desatento:

– Não vi passar, nem avisou que estava de saída. Se fosse para continuar, receberia reserva de estadia.

 

Quando criança, via transportarem casas de madeira, puxadas em reboque, com destino a um novo logradouro, nova serventia. Quem dera pelo menos isto encontrasse, sobre rodas, edificações de valor cultural reconhecidas, rumo a uma estrada infinda. Estranho, desconexo? Insisto que sim, tanto quanto construímos nossa sina.

 

*Renata é escritora, integrante da Academia de Letras dos Campos Gerais e da Academia Ponta-grossense de Letras e Artes.

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