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De como levar o espetáculo para casa

Grande parte do público presente no auditório A do
Cine-Teatro Ópera, na noite desta sexta-feira (9), dever ter levado para casa o
espetáculo Portela, patrão; Mário, motorista, do grupo Boa Companhia, de
Campinas (SP). E não é muito difícil de entender como se deu esse processo.

Primeiro que a Boa Companhia é um dos grupos teatrais mais
respeitados do país. Suas montagens primam pela excelência – a começar do
trabalho dos atores, precisos em suas performances no palco e muito bem
preparados tecnicamente. Exemplo disso é Primus, apresentado como ‘hors
concours’ em 11 de novembro de 2005, no Teatro Marista, no encerramento do 33º
Fenata. Baseada no conto Comunicado a uma Academia, do escritor tcheco Franz
Kafka, a montagem busca refletir sobre o gigantesco percurso da evolução
humana e conta a história de um macaco que, para garantir seu lugar ao sol,
aprende a ser homem e torna-se um pop star do show business. O espetáculo
todo é uma espécie de tour de force de cinco atores, que impressionam com o
altíssimo nível de preparação técnica vocal e corporal.

Bem, foi justamente esse nível de excelência que dois desses
cinco atores – Daves Otani e Eduardo Osorio – trouxeram para o Fenata neste
ano. Diga-se de passagem que, além da interpretação, os dois assinam a criação
e a codireção do espetáculo (juntamente com Verônica Fabrini). E já que uma das
características do 40º Fenata são as expectativas sobre trabalhos de grupos e
diretores que já passaram pelo festival, esta correspondeu à altura do que era
esperado. E, aí, vamos para a segunda parte da explicação do mote inicial deste
texto.

Conforme o site do grupo (www.boacompanhia.art.br), a
explicação da escolha dessa montagem chega a ser simples: [O espetáculo] nasceu
de nossa vontade de falar sobre as relações de poder em nossa sociedade.
Queríamos fazer um estudo prático sobre uma realidade em que o encontro de dois
seres humanos está condicionado por questões econômicas. Procuramos organizar
de maneira cênica as existentes nesse encontro que, por um lado, é
incontestavelmente humano, mas por outro, é notavelmente desumano. Decidimos
por radicalizar essa contradição por meio do trabalho com a corporeidade animal
e, para isso, buscamos ajuda nas gravuras de Goya, ‘Os caprichos’, onde podemos
encontrar figuras meio animais, meio humanas.

Toda essa preocupação, no palco – de resto
referenciada em Bertolt Brecht e Samuel Beckett, por exemplo –, se revela em
precisão cênica, ótimo domínio do espaço e de objetos (incluindo quatro bonecos
em tamanho natural) pelos dois atores e um texto forte e contundente sobre
relações trabalhistas, pessoais, afetivas e, por que não?, políticas, que,
antes de ser compreendido pelo público, impõe-se como discurso duro e que chama
imediatamente à reflexão. E é exatamente essa reflexão que o público levou para
casa. Prova disso foi a relutância da generosa plateia ponta-grossense em se
levantar para aplaudir – algo raro nesta cidade.

 

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