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Decreto 3.886: mais uma angústia para o varejo paranaense

Karina Neves Gonçalves da Cruz e Ricieri Gabriel Calixto

 

Não bastasse a retomada lenta da economia, o Estado do Paraná tratou de deixar este processo mais árduo e angustiante para os empresários varejistas. A partir de agora, surge mais um capítulo na novela do ICMS na modalidade da Substituição tributária (ST), com a recente edição do Decreto 3.886, aplicável às operações do Varejo em que há direito de restituição ou obrigação de pagamento complementar.

Tudo começou em outubro de 2016, quando o STF definiu o direito dos contribuintes à restituição do ICMS-ST, desde que o preço praticado com o consumidor final fosse inferior a margem de presunção. Esta premissa foi delimitada no RE n. 593.849, sob a sistemática da repercussão geral.

De lá para cá, os Estados foram gradualmente se adequando ao que foi decidido pelo STF. No Paraná não foi diferente, mesmo com um certo atraso na atualização legislativa. É que, somente em julho de 2018, foi publicada a Lei n. 19.595, a qual recepcionou a ideia da nova sistemática.

Todavia, ainda sim faltava a regulamentação pelo RICMS/PR, o que ocorreu somente agora, no dia 21/01/2020, com a edição do Decreto n. 3.886. Pois bem, é somente a partir de agora que os contribuintes estão sujeitos aos reflexos decisão do STF.

Diante deste panorama exposto, a preocupação não reside necessariamente na maneira como a ST será restituída. Entretanto, o “x” da questão é de que forma o Fisco irá promover a cobrança e fiscalização do ICMS complementar, já que este implica em exigência adicional imediata, tanto do passado como do futuro. Eis o porquê da angústia dos contribuintes paranaenses, principalmente porque impactará substancialmente no fluxo de caixa de todas empresas que atuam no Varejo, inclusive as do Simples Nacional.

Feitas estas considerações, elencamos abaixo os principais pontos de observação do Decreto 3.886:

O direito a restituição da diferença, notadamente na situação onde o preço praticado ao consumidor final for inferior aquele que serviu de base de cálculo para o substituto tributário. Este cenário é o melhor para fins financeiros.

A obrigatoriedade de recolher o ICMS-ST complementar na situação onde o preço praticado com o consumidor final for superior a aquele que serviu de base de cálculo para o substituto tributário, inclusive em relação ao FCOP (Fundo de Combate à Pobreza). Este é o cenário pior para o fluxo de caixa e resultado.

A restituição e complementação de que trata este Decreto aplica-se aos fatos geradores ocorridos a partir de 20 de outubro de 2016 (data do julgamento no STF). Aqui residem duas ofensas aos princípios tributários: a) primeiro ao da legalidade, pois é impossível o Fisco exigir tributo para fatos pretéritos; b) segundo ao da anterioridade nonagesimal, pois a complementação do ST para fatos futuros implicará, em alguns casos, aumento da carga tributária.

Instituída uma nova obrigação acessória, que é o Arquivo Digital da Recuperação, do Ressarcimento e da Complementação do ICMS ST- ADRC-ST para demonstrar as operações com direito a restituição e também as que exigirem o complemento do ICMS-ST. O decreto esclarece que o layout desta nova obrigação acessória será divulgado por meio de NPF, mas por hora não foi divulgado nenhuma nova norma, o que causa uma certa preocupação visto que os efeitos estipulados são retroativos a 01 de janeiro de 2020.

Sujeição de todas as empresas da operação do Varejo e que revendem mercadorias com ST, independente do regime tributário adotado (lucro real, lucro presumido ou Simples Nacional).

Importante ressaltar que uma das maiores dificuldades da sistemática do ICMS-ST é justamente a informação dos valores que serviram de BC para o substituto, sendo que nem todos os contribuintes substituídos repassam aos seus clientes os valores retidos por seus fornecedores substitutos. Para tanto, no ano de 2019, a Nota Técnica n. 2018.005 estabeleceu o novo “Grupo N. Tributação do ICMS= 60”, o qual tratou de criar campos específicos para que os contribuintes substituídos passassem a informar estes valores no corpo do arquivo XML da NF-e. Vale lembrar que a exigência destes valores sempre esteve contida no RICMS/PR, contudo, agora os substituídos deverão cumprir na prática o que já era sempre exigido.

Em arremate, o setor varejista terá mais um desafio no momento da formação do preço do produto. Afinal, além da notória competitividade, terá que garantir que este preço competitivo não irá implicar em aumento da carga tributária, uma vez que agora a legislação paranaense exige o recolhimento do ICMS ST complementar. Por fim, sobre as ilegalidades tributárias apontadas acima, resta aguardar como será o desfecho no Judiciário.

 

Karina Neves Gonçalves da Cruz é consultora tributária do escritório Salamacha. Graduada em Ciências Contábeis pela UEPG. É especialista em Direito Tributário e em Gestão Estratégica e Inovação do Agronegócio.

 

Ricieri Gabriel Calixto é advogado tributarista do escritório Salamacha. Graduado em Direito pela UEPG. É especialista em Contabilidade e Finanças e em Direito Tributário. Professor de direito tributário.

 

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