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Depois daquele espetáculo

Direto ao ponto:
o espetáculo Minha alma é nada depois dessa história, apresentado na manhã de
10 de novembro, em frente à Estação Saudade, pelo grupo Os Ciclomáticos Cia. de
Teatro, do Rio de Janeiro (RJ), é uma pedra rara, daquelas de se guardar no
porta-joias sobre o criado-mudo, ao lado da cama, e rever a cada momento.

Montagem enxuta,
com quatro atrizes (
Carla Meirelles, Fernanda Dias, Fabíola Rodrigues e
Nívea Nascimento) e um ator (Julio
Cesar Ferreira) de fortíssimas
presenças no palco, Minha alma… foi uma das cerejas do bolo de 40 anos do
Fenata – nas palavras do jurado adbailson
Cunha, de Caraguatatuba (SP). A partir de um conto do ator, escritor e
dramaturgo Gero Camilo, Ribamar Ribeiro, que também é o diretor, compôs uma
montagem belíssima, forte, com números esplêndidos de música e uma beleza
plástica de tirar o fôlego.

A história é
simplicíssima. Um vigia de fábrica apaixona-se por uma misteriosa mulher chamada
Cleide, que faz amor com árvores e carrapatos. Um dia, Cleide desaparece e
este amor se torna uma história sem flor e alma, diz a sinopse. Na montagem,
Cleide é interpretada pelas quatro atrizes.

Em resumo, o
que Ribamar trouxe a Ponta Grossa foi mais um espetáculo com a sua marca
registrada: elenco excelente; marcação de cena absolutamente bem desenhada;
história muito bem contada; figurino que, valha-me Deus!; sonoplastia que chega
a dar raiva, de tão boa que é (operada por
Getulio Nascimento, que também
toca cajon com Renato Neves); e
direção precisa de atores e de espetáculo, algo raro de se ver em teatro.

A trilha sonora, a propósito, calcada principalmente em ritmos espanhóis, chega
ao suprassumo de reinventar o tema principal do filme Beleza Americana (EUA, 1999,
de Sam Mendes): Dead Already, de Thomas Newman. Sem comentários.

Mas esta não foi
a primeira vez que o público do Fenata assistiu a essas aulas de teatro. Em
2007, durante a 35ª edição do festival, Sobre mentiras & segredos
arrebanhou nada menos do que nove prêmios. Nessa montagem, Ribamar
mostrou um Nelson Rodrigues no registro tênue
de um expressionismo irônico, por vezes debochado e escatológico, ágil, também
marcado por rubricas, com um elenco afiadíssimo e um deslumbre visual também de
tirar o fôlego. É bom lembrar que nesse mesmo ano o grupo também ganhou na
categoria para crianças, com Antes que o galo cante, que acabou levando cinco
prêmios. Até onde se sabe, essa
foi a primeira vez na história do Fenata
que um grupo ganhou 14 troféus por duas montagens e que um mesmo espetáculo levou
nove prêmios.

Já no 38º Fenata, em 2010, Ribamar e os Ciclomáticos
voltaram a Ponta Grossa para apresentar o belíssimo Amargasalmas, que colocou
em relevo o universo feminino naquilo que ele tem de misterioso, sublime,
íntimo e até mesmo abjeto e sombrio. Teatro forte, que toca no mais íntimo do
coração e da mente do espectador, Amargasalmas deixou o público perturbado
durante algum tempo.

Em outro registro – agora, com um espetáculo concebido para
a rua –, o ourives Ribamar surpreendeu de novo com Minha alma…. No modesto
público presente durante a apresentação (devido à chuva insistente que caiu
durante o festival), não houve quem não se encantasse pelas atrizes, ou pelo
ator, e não se envolvesse completamente com a história; e também quem não
fizesse brotar pelo menos uma lágrima dos olhos. Com Minha alma…, o Fenata
e o público saíram revigorados.

Voltem sempre, Ribamar e Ciclomáticos. O criado-mudo e o
porta-joias já são de vocês.

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