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Devo, não nego, pago quando puder

Depois de uma longa espera pelo meu primeiro emprego, fui convocado para assumir a cobrança de uma loja de confecções numa grande cidade do estado de São Paulo. Logo percebi que o ofício de cobrador não seria nada fácil.

Havia metas a cumprir diariamente. Metas com relação ao número de pessoas às quais faria cobrança e ao retorno dos inadimplentes. Todo dia era um novo desafio. Como as cobranças eram feitas via telefone, transformei-me num investigador de números. Aliás, descobria pessoas sumidas por anos.

Ao ligar, algumas diziam que não era ela quem devia e que eu nunca mais ligasse. Outras, que iriam pagar logo, logo. Umas que nunca pagariam, outras ainda que a dona da conta havia falecido e a lista de opções era enorme.

Essa “rotina” se tornara severamente estressante. O gerente não parava de cobrar metas. Cobrança em cima da cobrança! Coitado! Apenas cumprira as metas que a ele também eram impostas… Um dia, o gerente me disse que o melhor lugar que havia para trabalhar naquela loja era a cobrança!

Raivoso, tornei-me freudiano naquele momento. Disse ao gerente que na loja havia basicamente três profissões, que corresponderiam ao Id, ao Ego e ao Superego. Expliquei:

O Id correspondia aos vendedores e vendedoras que encontram o cliente no momento de maior êxtase! Trata-se do momento em que predominam o desejo de consumir, a vontade de adquirir algo, fosse por necessidade, por prazer ou patologia. Momento mágico.

O Ego, por sua vez, correspondia aos crediaristas. É a hora da verdade. Depois do mundo das nuvens, o cliente percebe que precisa comprovar renda, justificar que consegue pagar, evidenciar que seu nome é bonito na praça. Geralmente o pagamento é parcelado ou no cartão ou no carnezinho mesmo.

O Superego é o cobrador, esse que se comunica com vocês agora. O cliente, depois que satisfez seus desejos e inicia o processo de pagamento do objeto de seus sonhos, percebe-se na desgraça. Não consegue pagar! Gastos não previstos proliferam… doença na família, desemprego, morte são alguns dos infortúnios desses "miseráveis". E, o cobrador, em meu ingrato ofício, entrarei em contato com o infeliz para cobrar, sabendo que na maioria dos casos não se trata de “veiaco” como costuma-se falar em terras de Ponta Grossa, no Paraná.

Após a breve aulinha de psicanálise o gerente pensativo perguntou:

– Mas qual o papel do gerente nesse caso, meu caro funcionário?

– Bem, meu nobre amigo, o papel do gerente é incentivar o Id para que continue realizando todos os desejos dos clientes. Facilitar para que o Ego proporcione possibilidade nos clientes a convicção de que conseguirão pagar toda a fatura sem dramas. E, por fim, exigir que o Superego consiga fazer com que os clientes paguem uma fatura cuja quitação, na realidade, se tornara impossível.

             Depois desse papo psicanalítico, o gerente satisfeito, bate no meu ombro e diz num tom irônico:

– Vamos tomar um cafezinho, Superego?

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