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Febeapó

Antes, uma explicação. O título acima é, ao mesmo tempo, uma homenagem e uma paráfrase de um termo cunhado por Stanislaw Ponte Preta, pseudônimo do jornalista carioca Sergio Marcus Rangel Porto. Febeapá, segundo ele, quer dizer Festival de Besteiras que Assolam o País, título de um livro publicado em 1966 (Editora do Autor, Rio de Janeiro) que teve duas continuações: 2º Festival de Besteiras que Assolam o País (1967) e Na Terra do Crioulo (A máquina de fazer) Doido – Febeapá 3 (1968), ambos pela Editora Sabiá, Rio de Janeiro.

Febeapó significa, pois, Festival de Besteiras que Assolam Ponta Grossa. No caso, os recentes episódios que alçaram a pobre cidade de Ponta Grossa a uma inesperada repercussão nacional e até mesmo internacional.

Tratam-se de episódios que não podem ser analisados isoladamente. Parafraseando o jornalista Rogério Galindo, da Gazeta do Povo, em seu fundamental texto ‘A Macondo brasileira’ (publicado na edição do último 9), tais fatos são sintomáticos de que já há algum tempo existe algo de muito podre na política ponta-grossense. Para além das inevitáveis piadinhas que circularam ad nauseam nas redes sociais e microblogs e na própria imprensa, é necessário parar um pouco e refletir a respeito de quais são os caminhos insondáveis que o município vem tomando – a sua revelia, aliás.

O suposto autossequestro da vereadora Ana Maria Branco de Holleben (PT), no primeiro dia de 2013, é desses fatos que transcendem ao mesmo tempo a lógica e a boa-fé de gente que simplesmente não acredita que uma figura pública, até então tida como autocentrada, com uma militância histórica dentro do seu partido, pudesse ser autora (ou coautora, vá lá) de um episódio que só permite a justaposição de um adjetivo: triste. Até o momento, ela ainda não se pronunciou a respeito do que raios teria acontecido naquelas 24 horas decorridas entre o seu desaparecimento e o seu aparecimento em um hospital da cidade. Mas qualquer que seja o teor de seu depoimento, mesmo que explique as coisas, não vai justificar e nem ao menos aplacar o grau de perplexidade que acometeu toda a população da quinta maior cidade do Paraná, em um primeiro momento, e depois do Estado e do país.

Já a ‘descoberta’ de um banheiro público com paredes transparentes dentro de um espaço cultural inaugurado nos estertores do último ano de um total de oito ininterruptos do ex-prefeito tucano Pedro Wosgrau Filho é, no final das contas, a repetição de um filme B que o mesmo ator canastrão protagonizou no final de 1992 (há exatos 20 anos, portanto). Uma trama da mesma forma rocambolesca, que foi exibida em 1993, o primeiro ano de governo do falecido e (agora, sabemos) saudoso Paulo Cunha Nascimento.

O que aconteceu nesse ano? Recordar é viver. Simples. Paulo Cunha herdou do antecessor, além de muitas e óbvias dívidas, um Terminal Central de transporte coletivo cujas ruas calçadas internas não tinham passado por testes de carga, o que o obrigou a colocar chapas de aço que só aumentaram a poluição sonora do local; com um teto embaixo do qual simplesmente não cabiam os ônibus; e com um sistema elétrico interno cujo projeto não previu a instalação de uma escada rolante – que, ao ser acionada, fez um bom estrago na caixa de força. Passaram-se vários anos até que a população tivesse a alegria incontida de usufruir de tal equipamento. Pena que isso durou menos de uma semana, para a tristeza e justificada raiva de idosos e pessoas com deficiência.

Paulo Cunha herdou também uma via, por sinal próxima ao terminal, que talvez seja a única de ‘mão inglesa’ fora da Inglaterra e da África do Sul; e um parque que, coitado, desde que nasceu, tem complexo de ambiental, com aquelas ocas ridículas e aqueles mastros que, pela mãe do guarda…, só alguém bem sem noção apreciaria. Resumo da ópera (sem trocadilho): para quem conhecia o velho tucano de longa data, nada de novo no front, pois.

A explicação de que o prédio da Casa da Música teve uma inauguração política em dezembro de 2012, prestada à imprensa por um assessor de comunicação (que inacreditavelmente continuou no cargo mesmo sendo os dois governos, o que saiu e o que entrou, de lados antagônicos), só vem, digamos, colocar uma cortininha daquelas bem cafonas no verdadeiro circo de horrores que se tornou a política ponta-grossense. Acrescente-se a esse rol nonsense um trecho publicado na Folha de S. Paulo, na edição do dia 9: O ex-prefeito de Ponta Grossa, que é engenheiro civil, diz que considera o prédio totalmente concluído, com apenas ‘alguns detalhes’ precisando de ajustes. ‘Todo o prédio é de vidro. O banheiro também. Mas já inventaram cortinas, persianas e películas. Trata-se de um detalhe de decoração’. Para ele, a falta de escadas nas portas de saídas de emergências e as infiltrações também são ‘detalhes’. Convenhamos: é necessário algum tipo de comentário?

Uma das pistas para se entender toda essa barafunda na qual a cidade está imersa é o fato de que, bem feitas as contas, ela cresceu muito nos últimos 30 anos (desordenadamente, aliás), mas a cultura política não acompanhou isso. Os conchavos, as conversas ao pé do ouvido, os apadrinhamentos, os acordos espúrios e os tapinhas nas costas que continuam acontecendo à exaustão no município ainda são – acreditem se quiser – resquícios diluídos e algo puídos do modus operandi dos famigerados coronéis, bem aqueles da virada do século XIX para o XX. E se a análise pautar-se pelo histórico dos prefeitos que governaram a cidade – à exceção, talvez, de Juca Hoffmann (1955-1959 e 1963-1966), Cyro Martins (1969-1973), Luiz Carlos Zuk (1977-1982); Jocelito Canto (1997-2000) e Péricles de Holleben Mello (2001-2004) –, o quadro é assustador. Os demais componentes dessa lista pertencem a grupos oligárquicos que só confirmam o fato de que a cidade ainda vive na pré-história da política. Não faz muito tempo, certo candidato a deputado estadual, em propaganda eleitoral durante a campanha, definiu toda a miséria em uma frase: A cidade tem dono.

Registre-se que as legislaturas locais, também com raríssimas exceções, só fizeram acompanhar e/ou repetir o quadro infeliz dos prefeitos. Daí que não é de causar surpresa e nem espanto o que vem acontecendo em Ponta Grossa neste formidável início de ano, gestão e legislatura. A impressão que dá é que houve uma ruptura, tal a esgarçadura do tecido político, pelo menos dos últimos dez anos para cá. A situação chegou ao seu ponto saturado, entrópico e insustentável, mas só alguns agentes políticos se deram conta disso.

Aparentemente, suposto autossequestro e banheiros transparentes (incluindo o da Arena Multiuso) nada têm a ver entre si. Mas, à luz dessa e de outras possíveis análises da história política de Ponta Grossa, é lícito concluir que os dois episódios, um ocorrido na sequência do outro em menos de uma semana, são os sinais inequívocos de que é urgente se repensar a maneira atual de se fazer política na cidade. Mais. Arrisco uma suspeita: a de que é bem provável que, no episódio da vereadora Ana Maria, ela esteja sendo a catalisadora, o pivô, de todo esse processo. De alguma forma, ela concentrou em si toda a entropia catastrófica da política ponta-grossense, e deu no que deu. E no que sabe Deus ainda vai dar.

Em meio a esse lamaçal, é de se perguntar: mas não há nada que tenha acontecido ultimamente que possa mudar esse quadro? A resposta é: sim, há. Incrivelmente, nesse estado de catatonia geral, se ocorreu algo que realmente pode fazer a diferença e ser promissora de novos tempos foi a sensacional virada do grupo de oposição ao prefeito Marcelo Rangel (PPS) na eleição da mesa diretora da Câmara, na sessão extraordinária do dia 3. Com a vitória nas mãos e com pouco a fazer a não ser esperar pelo último voto (nominal e em ordem alfabética), os 11 vereadores da situação acabaram levando um baile e uma aula de estratégia política que há muito não se viam em qualquer cidade dos Campos Gerais – quiçá do Estado.

Se, porém, o novo presidente do Legislativo, Aliel Machado (PC doB), terá condições de promover uma renovação de verdade nos meandros da Câmara – e se isso vai se estender a outros recantos –, ainda é muito cedo para avaliar. Mas é fato que a sua inesperada e estupenda vitória é o único fato político recente que a cidade de Ponta Grossa tem para se orgulhar.

Mas é pouco, muito pouco. Do restante dos episódios ocorridos neste início de 2013, só resta lamentar. E rir, claro, que ninguém é de ferro.

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