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Mistura grossa

“No sistema de justiça do Brasil quase nada funciona como determinam a lógica, a decência e as próprias leis”

Por J.R. Guzzo

 Ministério Público, pelo que está escrito na lei brasileira, é pago para agir na acusação contra delinquentes e para representar o interesse público quando entender que ele esteja sendo contrariado; seu papel é ficar contra os criminosos Da mesma maneira, cabe aos advogados agir na defesa de quem é acusado pelo MP; seu papel é ficar a favor dos clientes. O primeiro tem de procurar a condenação. Os segundos têm de procurar a absolvição. Mas isso aqui é o Brasil, e no sistema de justiça do Brasil quase nada funciona como determinam a lógica, a decência e as próprias leis.

Temos, assim, que o MP, segundo a postura pública de seu funcionário mais alto, o Procurador Geral da República, se coloca contra quem faz as denúncias e a favor de quem é denunciado – ou, pelo menos, é assim quando se trata de combate à corrupção. Na sua visão de justiça, exposta pela última vez numa palestra eletrônica que fez nesta semana, o dr. Augusto Aras nos informou que o grande problema da corrupção no Brasil não são os corruptos que durante anos a fio transformaram a administração pública em sua propriedade privada. O problema, diz ele, é a Lava Jato.

É realmente um espanto, mesmo para um país em que os marechais-de-campo da justiça são esses que há por aí.

Acredite se quiser, o PGR lançou o seu manifesto contra a maior e mais bem sucedida operação de combate à corrupção jamais feita nos 520 anos de história do Brasil numa emissão fechada de imagem e som para cerca de 300 advogados criminalistas – em grande parte sócios de bancas milionárias e com clientes, ainda mais milionários, atolados na Lava Jato sob acusações de ladroagem em primeiro grau. Como assim? Numa de suas mais conhecidas lições de ética, um antigo e afamado criminoso do Rio de Janeiro já ensinava: “Bandido é bandido, polícia é polícia”. Então: procurador é procurador, advogado é advogado. O lugar onde eles têm de se falar é no fórum, diante do juiz – só lá. Se não for assim, e durante o tempo todo, vira uma mistura grossa com a pior cara possível.

A Lava Jato foi possivelmente o mais precioso momento já vivido pela justiça deste País na execução do que deve ser a sua tarefa superior – fazer justiça. Num país classicamente desgraçado pela corrupção sem limite e pela impunidade quase absoluta dos ladrões, a operação colocou na cadeia

300 dos mais perigosos, bilionários e influentes corruptos que já atuaram entre o Oiapoque e o Chuí ao longo da história nacional. Fez os criminosos devolverem bilhões ao Erário Público Liquidou uma praga que se imaginava invencível – as empreiteiras de obras públicas, que desde então pararam de governar o Brasil. (Querem voltar, é claro; mas aí já são outros 500.) Levou para a prisão um ex-presidente da República, tido como homem mais poderoso e intocável do País. Pois é: o PGR acha que tudo isso está errado.

Aras acusa os procuradores do seu próprio MP das piores coisas – insinua, inclusive, chantagem e extorsão – mas não foi capaz de apontar, objetivamente e com o apoio de fatos, um único delito cometido por eles. Fica escandalizado por haver na Lava Jato informações sobre “38.000” pessoas, que “ninguém sabe como foram colhidas”. E daí? Com a quantidade de ladrão que há neste país, poderiam ser 380.000. E se não sabe, deveria saber; problema dele. É um despropósito. Os atos do MP, e os do juiz Sergio Moro – que como magistrado vale uns 150 Aras – estiveram o tempo todo sujeitos ao exame dos tribunais superiores. E se houve erros, por que diabo a Corregedoria do próprio MP jamais foi atrás deles?

O problema não o que a Lava Jato fez. É o que o PGR está fazendo.

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