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NÃO ACEITAR A DOMA

 

Quando era criança o pai de um amigo meu da Rua Tomazina era criador de búfalos e algumas vezes ele levava a criançada da rua na fazenda dele para passear. Tinha um caminhão pequeno  com aquelas grades próprias para transporte de gado, a qual enchia com as crianças da rua e levava para a fazenda, na zona rural da cidade. Era uma festa! Tem duas coisas que nunca me esqueci dessas aventuras que ele nos proporcionava. A primeira foi uma vez que ele estava mudando os peixes de um lago de criação para outro e, para isso, esgotou o lago e nós pegávamos os peixes com toalhas, redes e, muitas vezes, com as próprias mãos. Lembro de pegar uma carpa enorme e levar para dentro de um tonel para transportar para o outro lago. A segunda foi quando ele nos colocou para andar montado em um búfalo. Impressionou-me aquele animal enorme, extremamente dócil, andando puxado por uma corda bem frágil, com duas crianças em suas costas. Vendo aquela docilidade daquele brutamonte perguntei para o pai do meu amigo se os búfalos nasciam assim, mansos. E ele me respondeu que não, mas que era muito fácil de amansá-lo. Bastava desde pequenininho colocar uma argola no nariz do animal e prender ao chão com uma corda curta, de maneira que forçasse o animal a não poder levantar a cabeça. Esse processo repetido por muito tempo fazia com que o búfalo perdesse o ímpeto e ficasse manso e de cabeça baixa.

CORDA CURTA

Da mesma forma fazemos com nossas crianças, que nascem impetuosas, cheias de energia e ânimo e nos encarregamos de colocar uma argola imaginária em seus narizes e prender com várias cordas curtas. Ensinamos nossas crianças a serem dóceis e a andarem de cabeça baixa. Naturalmente que a argola e as cordas são figuras de linguagem, e que podem ser representadas por todas as vezes que levamos nossas crianças a acreditarem que algo na vida não é para eles. Educação castradora, violência domestica, escola de má qualidade, falta de alimentação, descuido, desamor, descrédito, despreparo, falta de suporte psicológico, ausência da família e de Deus, são alguns exemplos das várias cordas curtas que oferecemos às crianças. Com isso eles aprendem a abaixar a cabeça e se tornam pessoas reativas, ou seja, não são protagonistas, não assumem a autoria da própria história e se acostumam a obedecer, sem questionar. Quem anda de cabeça baixa, não enxerga o infinito.

OLHAR PARA FRENTE

A inspiração para esta coluna veio de uma conversa que tive com minha esposa sobre crenças limitantes e lembrei que quando eu tinha uns doze ou treze anos e a vida era bastante difícil, eu andava muito a pé para economizar alguma grana. Da casa para o trabalho, do trabalho para a escola e da escola para casa, sempre andando. Lembrei que eu gostava de andar rápido e ia pensando que tinha que andar com passos largos porque não podia ficar desanimado, e que tinha que olhar para frente, para o horizonte, para poder enxergar o futuro, e que quem andava de cabeça baixa, olhando para o chão, não enxergava as possibilidades que se apresentavam na caminhada. Hoje vejo o quanto esse experimento mental foi importante na formação da minha personalidade e na forma com que eu encaro os desafios da vida. Minha mãe usava uma frase bastante simples, mas que é filosofia pura e resumia bem esse fato. Ela me fazia um elogio e dizia: “você nunca aceitou o cabresto”. Hoje eu entendo o que ela queria dizer, pois aceitar o cabresto é aceitar a doma, ou seja, subjugar o espírito e curvar a coluna, andando sempre de cabeça baixa. Quem sabe estamos fazendo isso com os jovens sem perceber.

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