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O mecânico visionário

            Vivia feliz com seu trabalho de mecânico de automóveis. Aprendeu esse ofício com seu avó quando ainda era criança e realizava ajustes em uma velha bicicleta Monark vermelha, aro 26.

            Em sua oficina, na garagem da casa, recebia diariamente pelos menos três carros. Eram veículos velhos, com peças ultrapassadas, mas que nas mãos daquele hábil médico de carros tudo tornava-se possível, especialmente porque possuía uma prateleira secreta em sua oficina, uma espécie de museu com acessórios antigos, porém, valiosos e úteis.

            O modo como encarava a vida, jamais levaria alguém a imaginar que deixaria de ser mecânico, pois nunca nenhum cidadão o encontrou reclamando da profissão, muito menos do salário, ou das condições de trabalho. Porém, deu-se conta que seus clientes, sempre após retirarem seus possantes da oficina geralmente ao final da tarde, seguiam direto ao bar do Ruela para tomar uma pinguinha ou, quem sabe uma cervejinha com os amigos.

            Esses movimentos constantes dos amigos clientes ao boteco, o levaram a repensar o velho ofício de mecânico. Começou acreditar que ficar atrás de um balcão servindo bêbados seria um bom negócio.

            Não levou muito tempo para convencer-se de que abandonaria a velha oficina mecânica e compraria um boteco. Foi o que aconteceu. Encontrou um amigo do Ruela que mudaria de cidade e venderia seu estoque e o ponto comercial. Imediatamente, o mecânico fez negócio.

            Mas como todo empresário que se diz visionário não imaginou as agruras do empreendimento. Pensou que atenderia até umas 10h, no mais tardar umas 11h30 min. Mero engano, nunca conseguia sair do boteco antes das 3 ou 4 horas da madrugada. Além disso, tornou-se de modo forçado psicólogo. Depois que seus clientes bebiam, uns choravam, outros riam freneticamente, outros ficavam valentes, outros inofensivos, carentes, mulherengos e a lista era longa.

            Para o mecânico foram os dois maiores problemas que dinheiro nenhum pagava: ir dormir tarde e aguentar bêbados das mais variadas espécies que a cada dia aumentava mais. Pela primeira vez arrependeu-se de haver deixado a mecânica. Sentia saudades do cheiro de gasolina, do ronco dos motores sendo testados e da faísca das baterias.

            As noites pareciam intermináveis no boteco. Foram meses, que pareciam anos, mas, para quem vender um boteco nesse momento desesperador?

            Por sorte, apareceu no bar um sujeito diferente. Bem arrumado, de terno e gravata, que logo pediu uma bem gelada. Prontamente, o antigo mecânico o serviu e quis saber sobre o novato.

            Ao escutar o novato o mecânico não conseguia acreditar. Tratava-se de alguém que estava interessado em comprar um local para transformá-lo em uma igreja. Negócio fechado! Respondeu desesperadamente o mecânico visionário.

            Uma vez acertado os trâmites de venda, as bebidas, o balcão, a mesa de sinuca e os bancos deram lugar, a uma bíblia, um altar, caixa de som e cadeiras. Na semana seguinte o antro da perdição virou lugar da salvação e o empresário visionário voltou a ser mecânico.

           

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