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Obelisco industrial

Renata Regis Florisbelo
Chaminé das Indústrias Wagner, marco industrial e cultural na paisagem de Ponta Grossa

Onde antes os olhares se ancoravam, agora nem barcos à deriva se escondem. Um lamento na fronte, querela que não sai do ventre, adormecido como a paisagem que já vai longe, que se transforma e se conforma às novas épocas instauradas, porquanto a vida passa. A nostalgia, com as imagens alteradas, é fruto e síntese das perguntas recorrentes e reformuladas. O que é feito do que foi desfeito? Lembrança é vivência revisitada ou vida embalsamada? Quanto mais drástica a transformação, maior a angústia dos olhos sem morada.

Os pescoços se espicham para ver de perto e alcançar o alto da chaminé das Indústrias Wagner, bem precioso, que já teve sua aplicação fabril. Longe de encontrar o ócio, serve como ponto de sustentação de um pedaço do passado bem preservado em obelisco estruturado.

Os processos produtivos, a partir da revolução industrial, mostram uma trajetória seguida pelas cidades, povos e comunidades, além do conhecimento tecnológico desenvolvido. A arqueologia industrial busca conhecer as transformações técnicas e materiais relativas à industrialização que extrapolam o trabalho executado, refletindo em contribuição para o patrimônio cultural.

Em Olarias, bairro cuja vocação na produção cerâmica nominou, instalou-se na década de 40 as Indústrias Wagner, grande laminadora de madeira, que no auge chegou a orquestrar 600 colaboradores, contribuição que transcende à paisagem e infere na vida e nos hábitos tornando o bairro trabalhador por excelência.

A confecção das chaminés de tijolos confere tanta beleza às estruturas erigidas que perpassa a esfera industrial para se tornar arte. Tijolos, provenientes das abundantes olarias, eram intertravados em disposição circular. A baixa resistência à tensão, nos ventos bem soprados dos campos gerais, requeria uma base em diâmetro excessivamente dimensionado, atribuindo força ao conjunto através do peso. Na prática, nestas edificações, a chaminé resultava muito mais imponente e grandiosa que os demais prédios. Cintas metálicas rodeiam e comprimem os elementos e escadas espiraladas atendem a pequenos segmentos estrategicamente pensados.

Em décadas de crescente demanda industrial, as chaminés ganharam fama de vilãs ambientais, emitindo materiais particulados e outros poluentes no derredor das instalações. Na solitária chaminé Wagner, na ponta da formosura tombada como patrimônio municipal, não mais se espargem vapores e gases, apenas nossa mente flui e se dissipa em indagações e gostos pelas memórias e especulações sobre o futuro. Na base da chaminé o olhar ganha corpo, fortalece em conceitos, segue no fluxo ascendente e alcança o topo, para se lançar ao ar em ideias depuradas e renovadas. Fumaça branca esperando para anunciar as boas novas.

No Antigo Egito, o obelisco era uma agulha a perfurar as nuvens, dissipando forças negativas visíveis e invisíveis. Protegia magicamente locais sagrados. O poder atribuído na decisão que conserva ou que põe ao chão também precisa ser amadurecido. Chaminé-obelisco, arrisco erguer os olhos ante a incúria de não mais preservar.

 

Autora: Renata é escritora, integrante da Academia de Letras dos Campos Gerais, da Academia Ponta-grossense de Letras e Artes e do Centro Cultural Prof. Faris Michaele

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