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Os bons defeitos

 

Robson Couto da Silva

Doutor em Engenharia de Produção pela UTFPR

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Geralmente quando mencionamos a palavra “defeito” nos remetemos a algo negativo. Nada mais natural, visto que essa palavra de origem latina significa falha ou queda. Porém, quando falamos de ciência dos materiais, essa palavra está relacionada a algumas propriedades que, como veremos a seguir, são muito importantes em nosso cotidiano.

Primeiramente, é importante distinguir que os defeitos que estamos tratando aqui não estão relacionados a um produto acabado com problemas em seu funcionamento, nos referimos na verdade a imperfeições dentro da estrutura cristalina de um material.

A grande maioria dos materiais sólidos é constituída por átomos que se arranjam de maneira regular ao longo de grandes distâncias atômicas. Em outras palavras, os átomos e íons se posicionam em um padrão tridimensional repetitivo com seus átomos vizinhos. A esse comportamento damos o nome de cristalinidade.

Os materiais cristalinos compreendem metais como ferro, alumínio e cobre e matérias-primas cerâmicas como talco, argilas e calcário. Quando não existe regularidade a longo alcance o material é chamado de amorfo. Temos como exemplo de materiais amorfos o vidro e alguns plásticos como o policarbonato utilizado em faróis de carros e o poliestireno usado na fabricação das réguas escolares.

Agora que entendemos o que é uma estrutura cristalina, podemos então compreender que mesmo que fabriquemos um material com os mais rigorosos padrões de controle, sempre existirão impurezas ou imperfeições dentro da rede cristalina.

Os tipos de defeitos presentes nos materiais podem ser pontuais, como a falta de um átomo na posição onde ele deveria estar, deixando uma lacuna, ou a presença de outro tipo de átomo na rede (por exemplo, um átomo de níquel substituindo o átomo de cobre).

Os defeitos também podem ser lineares, ou seja, existe uma deformação localizada em uma região do cristal. A esse tipo de defeito damos o nome de discordância.

Mas, por que essas imperfeições acima citadas podem ser benéficas em algumas das características dos materiais?

A resistência mecânica de metais, por exemplo, pode ser aumentada quando ampliamos o número de defeitos lineares. Por isso, muitos metais são deformados a frio, em um processo chamado de encruamento com o propósito de se elevar a quantidade de discordâncias por volume de material. Alguns metais podem ter a resistência elevada em mais de 90% quando encruados.

Quando adicionamos átomos de impurezas em metais puros existem alterações significativas na dureza e resistência mecânica. É o que acontece quando inserimos o carbono ao ferro para fabricar o aço, ou então o zinco ao cobre para fabricar o latão. Essas impurezas adicionadas são chamadas na metalurgia de elementos de liga.

Os defeitos não são importantes somente nas propriedades mecânicas. Existem materiais cerâmicos chamados de semicondutores nos quais a adição de impurezas promove a formação de materiais com condutividades elétricas intermediárias entre condutores e isolantes. Este tipo de material fez com que os aparelhos de televisão a válvulas que apresentavam alto consumo de energia e necessitavam de tempo para esquentar ficassem obsoletos.

Os semicondutores como o silício, o germânio, o estanho, o sulfeto de zinco e o arsenieto de gálio são a base para dispositivos em estado sólido como transistores e diodos e levaram à fabricação de circuitos miniaturizados que permitiram a existência dos computadores e dispositivos móveis como smartphones conforme conhecemos hoje.

Dessa forma, se você está lendo este artigo em seu notebook ou celular, isso se deve justamente aos defeitos gerados dentro da estrutura do material que compõem seu circuito. Até nas imperfeições a natureza é sábia!

 

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