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Patrimônio feminino

 

Divulgação

Na obra Madona Sistina, Rafael Sanzio utiliza símbolos para expressar os atributos femininos

 

Todos os anos, no mês de março, um frenesi cor de rosa se abate sobre os ânimos. Época de eclodir em mensagens de conteúdo poético e nas eternas condolências àquelas que morreram sob chamas, originando o sentido da data. Nas últimas décadas, muito foi dito, desmentido e, novamente, reafirmado sobre a mulher. O perfil muda conforme a época? Uma mutante em mimetismos modernos mediante às novas urgências?

Passeando os olhos em locais de aglomeração de pessoas, como em shows musicais, é comum pousá-los em homens e mulheres, vestidos de maneira uniforme: calça jeans, camiseta e tênis. Um mundo unissex? Um mar de gente desprovida de gênero? Mulheres travestidas em homens?

Acima dos gêneros masculino e feminino, está a unidade humana. Este ser exclusivo, em processo único de respostas às demandas de consciência atual. A exemplo dos estágios do desenvolvimento da biografia individual, enquanto humanidade, também nos desenvolvemos coletivamente. A humanidade já foi bebê e criança, que precisavam de firme condução dos pais; hoje, é um ser adulto, capaz de responder por seus atos e em pleno apogeu das capacidades e potencialidades.

A unidade ser humano divide-se, igualmente, em feminino e masculino. Cabe a cada gênero cinzelar habilidades em função de suas características. Como não suspeitar? Se a anatomia não é igual, deve haver alguma atribuição inerente à forma. Numa anatomia sexual ativa, o homem revela seu caráter arrojado, de iniciativa e força. Na anatomia sexual passiva, a mulher desvela seu perfil acalentador, atento ao social e formador de cultura humana, nutrindo-a em si. Somam-se a estes perfis os desafios do livre arbítrio experienciados a partir do século XX: homens aprendendo a desenvolver sensibilidade e refinado tato social e mulheres praticando a objetividade em tarefas, até então, exclusivamente masculinas.

A igualdade acastelada nos diretos básicos, nas premissas de responsabilidades e na compreensão sobre os papéis diferenciados a serem insculpidos em cada gênero. Não obstante, na expressão, quanta cor, quanta beleza quando se revela o feminino.

As pinturas antigas, legado dos grandes mestres da história da arte, revelavam, em discretos sinais, os atributos concatenados ao universo feminino. O rosto valorizado, o corpo coberto por roupas em abundantes tecidos, representando a pujante expressão de vida. A mulher tem sua vitalidade elevada em relação ao homem, que, por sua vez, está fortemente ligado às métricas e proporções experienciadas através do corpo físico e suas noções matemáticas e racionais. Nesta linguagem cheia de significado em cores, formas e gestos, a imagem de uma mulher semi-nua, sem pudor ou moralismo, alude a uma vitalidade escassa, alma esquálida, desprovida de vida, em tão poucos panos a exaltar sua capacidade vital. Trata-se de conceito sobre o funcionamento de cada gênero humano. O feminino em posturas discretas e gestos graciosos revela a intensa vivência psíquica interna, a bem de compreender o mundo dentro de si. A mulher como um arquétipo da gestação, não de um indivíduo, mas como aquela que gesta o mundo. O ser que internalizou, dentro de si, a própria vivência do mundo, para devolvê-lo em novo nascimento.

A Madona Sistina, pintura de Rafael Sanzio, artista renascentista que viveu entre 1483 e 1520, mostra seu olhar sério e consciente do mundo e carrega com graça e leveza a criança da promessa. Postura ereta, é mensageira entre mundos. Não expressa benevolência por fútil complacência, em vez disso, faz despertar a consciência para critérios vitalizantes e os demonstra em atos delicados e precisos. Olhar ancestral que representa as próprias forças universais na condução da humanidade. Imagem que não tem época, é representação da mais elevada qualidade feminina.

 

*A autora é escritora, integrante da Academia de Letras dos Campos Gerais e da Academia Ponta-grossense de Letras e Artes.

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